Responsivo

Mestres: Pela Janela do Home Office

Valéria Caimi é mestre em letras, professora da rede estadual, poetisa e cronista

_Abre a janela, Maria!
_ Não professora, tá frio!
_ Tá nada! Tem que abrir mesmo, fessora!
_Mas entra réstia na minha carteira, não vejo nada, prof.!
_ Precisa abrir, sim, pessoal! Deixar o ar entrar e circular. Afinal, vocês estão voltando de uma aula de Educação Física!Tem quem aguente!?
Em meio às águas e lágrimas de março, essa rotina deixou de existir. As portas e janelas foram fechadas, após nossa saída! Deixamos nossos livros nos armários, na esperança de retornarmos no próximo mês. E aqui estamos, com o olhar perdido pela janela de nossas casas, na espera mais longa de nossas vidas.
Às vozes altas e misturadas dos 45 adolescentes, nas manhãs de sexta-feira, programando o rolê do final de semana, deu-se o silêncio dos microfones desligados! À correria do sexto ano, nos corredores saindo para o recreio, deu-se a as carinhas estáticas, isoladas, diante da tela fria dos computadores!
Os mestres deixaram os livros e receberam links. Saíram de suas classes reais e adentrando às virtuais.
Da animada sala dos professores à mesa da cozinha, em Home Office. Da sala da pedagoga (às vezes, muro das lamentações), aos recados pelo whatsApp.
E as mestras? Elas trocaram a dupla jornada, pela jornada ampliada e confusa de mãe, professora, dona de casa e professora dos próprios filhos e de alguns afilhados ainda, sem direito á trégua: sábado, domingo, feriados e algumas madrugadas! Tudo junto e misturado, a ponto de mexer a panela com a régua e guardar o celular na geladeira!
     Vai atrás do João que sumiu a uma semana, manda recado para Maria que não entendeu o conteúdo, corrige atividade impressa, online, orienta aluno pelas redes sociais, pela sala de aula virtual, faz chamada de vídeo, manda texto escrito, manda áudio, preenche livro online, posta prova, posta trabalho, corrige tudo, lança presença, lança falta, tira falta, lança aula, lança nota, participa de conselho de classe, faz reunião online! Ufa! Mas em meio a tudo isso, faz almoço, limpa casa, lava roupa, louça e  filho. E não esquece, ainda, de lavar as compras do supermercado! Tá fácil esse Home Office docente! Só de boa!
E o coração? Como e onde está o coração desses seres de ferro! Sim, eles têm coração, mesmo aquele que não dá um décimo para ninguém!
O coração mora entre o quadro e aquelas carinhas múltiplas que encontra todos os dias!
     O coração está no sorriso banguela da criança que lhe leva uma florzinha roubada do jardim da vizinha! Acompanhada pela cartinha cheia de erros ortográficos!
O coração está no silêncio transcendental da biblioteca em uma aula de leitura.
O coração está no colorido e na performance artística daquelas criaturinhas; na vibração da primeira palavra escrita, na fofoca feita: “não conte pra ninguém, prof.”
O coração está nas histórias e estórias partilhadas todos os dias; no curativo feito no joelho ralado, depois de você ter dito centenas de vezes “saiam devagar!”
O coração está na doação de material feita rotineiramente; naquela mãozinha que aprendeu a segurar o lápis; no lanche que se divide; na caneta que se empresta; na régua que se ensina a usar.
O coração está naquele olhar de adolescente que pede socorro; no bom dia que se dá e se recebe; na poesia que os olhos escrevem; nas palavras que não são ditas!
Aprendemos, também, a colocar o coração nas janelas virtuais que abrimos para nossas aulas, nesses tempos de “aguenta coração, que vai passar!”
     Mas o coração espera desejoso pelo abraço que queremos e daremos ao nos reencontrar! Porque o coração de um mestre (a) é feito de encontros!

*Minha homenagem às professoras e aos professores, pelo seu dia!
 

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