Confusão no debate sobre a Previdência

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo

Um bom sistema previdenciário tem pelo menos quatro funções: prover aposentadorias dignas; cobrir a totalidade dos trabalhadores; servir como política de distribuição de renda; e mobilizar poupanças para alavancar o desenvolvimento – e isso sem consumir dinheiro de impostos. O respeito à aritmética e aos bons princípios econômicos não é o forte dos legisladores brasileiros. A Constituição de 1988 criou a semente de várias distorções financeiras, cujas consequências nocivas à economia foram uma espécie de crônica anunciada.

Um dos exemplos se deu com a Previdência Social. Os partidos de esquerda lutaram por um elenco de direitos e benefícios sem levar em conta aspectos contábeis e financeiros e, antes de chegarem ao poder, impediram reformas na Previdência do setor privado (o INSS) e nos regimes especiais dos servidores públicos. Porém, quando Lula assumiu, em 2003, o próprio PT percebeu que tinha de fazer alguma reforma para reduzir os déficits dos sistemas previdenciários, sob pena de serem os coveiros da promessa de justiça social.

Um sério equívoco foi a criação do regime jurídico único, pelo qual os empregados do setor público contratados pela CLT foram transformados em servidores estatutários, com estabilidade no emprego e aposentadoria com salário integral, ainda que não tivessem contribuído para isso. Outro problema é o regime financeiro da Previdência. Um bom sistema deve funcionar com base no regime de capitalização. Neste, o trabalhador deposita mensalmente uma parte de sua renda em conta individual, a ser aplicada em ativos de renda. Quando se aposenta, o trabalhador tem um saldo destinado a pagar-lhe a aposentadoria.

Nossa Previdência funciona no regime de repartição, pelo qual as aposentadorias de hoje são pagas pela contribuição dos trabalhadores de hoje. Estes, quando se aposentarem, serão pagos pelo trabalhadores do futuro. O regime de repartição é baseado na solidariedade entre gerações e apresenta problemas terríveis: dificuldade de compatibilizar o número de pagantes com o número de aposentados; incapacidade de incorporar todos os trabalhadores na economia formal para que paguem a contribuição previdenciária; impossibilidade de garantir que o bolo arrecadado seja suficiente para cobrir toda a despesa; e elevado custo burocrático na gestão do sistema.

Por fim, a divisão do bolo previdenciário no Brasil entre os trabalhadores privados e os servidores estatais é uma das mais injustas do mundo. Dados oficiais divulgados neste mês informam que o INSS gasta R$ 150 bilhões para pagar 30 milhões de benefícios, enquanto apenas o governo federal e os estados gastam R$ 164 bilhões para pagar 3 milhões de servidores civis e militares. Não que essas duas contas devessem ser iguais. É possível aceitar alguma diferença a favor dos servidores públicos, até pela composição das profissões de Estado. Mas a diferença não pode ser tão grande.

Vale ainda considerar que os funcionários de governo têm duas vantagens que devem ser contabilizadas como de alto valor: nunca enfrentam o desemprego e têm aposentadorias integrais. É necessário destacar que, quanto às aposentadorias integrais, mudanças já foram feitas e novos ingressantes em alguns quadros públicos já não têm mais esse benefício. Mas a reforma foi apenas parcial, não se completou. O fato é que o Brasil é pobre e a renda por habitante é baixa; logo, benefícios generosos para uns implicarão benefícios pífios para outros.

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