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O palito é relativo

 

No Pantanal Mato-grossense, onde vivem várias espécies de jacarés, há uma espécie de ave, de penugem azulada, denominado Paliteiro. Essa ave observa os jacarés fazendo suas refeições. Quando os répteis terminam seu manjar, geralmente viram-se para a margem do rio e colocam metade do corpo fora d’água, escancarando ao máximo sua bocarra. E é aí que os Paliteiros aproveitam e entram na boca do grande animal e se alimentam das sobras de alimentos presos nos seus dentes. Assim, lucram ambos: o pássaro se alimenta e o jacaré fica com os dentes limpos. Não somos jacarés, nem temos um paliteiro que faça a limpeza de nossos dentes, mas nem por isso devemos descuidar de nossa saúde bucal.

Com os humanos é diferente, e o palito usado quase em todas as mesas variam com a cultura e com a época. Não existe atualmente no mundo das boas maneiras, vilão maior do que o palito de dentes. Nos últimos anos, os livros de etiquetas ressurgiram no Brasil e, em todos, lá está ele – proscrito e enxovalhado. Palitos, nem pensar, dizem as celebridades. Palito só como último recurso, desde que trancado no banheiro com várias chaves.

Mas nem sempre foi assim. No século 19, por exemplo, os ricos brasileiros consideravam a mesa incompleta sem o paliteiro, quase sempre uma peça rebuscada, feita de prata e na forma de pavões, carneiros e outros bichinhos. Até dom Pedro I usava e abusava do hábito de palitar os dentes. Parece que, antes de se generalizar o uso do charuto, era palitando os dentes que se conversava depois do jantar. E, se os exemplos nativos não parecem confiáveis, é bom saber que nos séculos XVI e XVII, na Europa, ter um palito permanente, entalhado em ouro e enfeitado com pedras preciosas, era o auge da elegância.

Mas qual a moral do caso do palito? Antes de mais nada, ele ajuda a lembrar que até mesmo as regras de civilidade mais simples têm história, e não fazem parte de uma tábua de mandamentos eternos e inflexíveis.

O ritual do jantar, um livro escrito pela canadense Margaret Visser, está recheado de episódios interessantes, escritos em estilo espirituoso, a obra faz um inventário dos bons costumes à mesa dos tempos pré-históricos até os dias atuais. Alguns deles são esdrúxulos para o ocidental. Na Melanésia, por exemplo, há culturas que o anfitrião simplesmente está proibido de tocas na comida que oferece. Fazer isso seria desprezar todas as regras de educação. Até os canibais tinham suas regras e suas etiquetas. No cotidiano, os antigos fijianos se alimentavam com as mãos, mas no momento de se banquetear com um inimigo, usavam um elegante garfo de madeira. Se os garfos ganharam aprovação, o mesmo não aconteceu com as facas para peixe. No século XIX, peixes eram comidos com garfo em uma mão e pão na outra.

Na Grécia antiga, mulheres eram desencorajadas a utilizar facas às refeições: o manejo de armas brancas, ainda que para cortar um prosaico bife de carneiro, era vedado ao sexo feminino. Na Idade Média, havia refeições em que a tigela de comida era partilhada pelo casal. Esperava-se galantemente que, só o homem manejasse a faca.

Assim como as toalhas, os guardanapos datam de Roma. Os próprios convidados deviam trazer os seus usando-os no final para embrulhar restos e levar para casa. Cientistas observaram um grupo de macacos japoneses, quando uma das macacas decidiu tirar a lama de uma batata que ia comer, lavando-a na água. A atitude causou impressão em seu bando, logo, outros macacos estavam fazendo o mesmo. Duas gerações depois, não só a lavagem das batatas era obrigatória, como se havia descoberto que, feita em água do mar, podia resultar numa refeição de batata salgada para a macacada. Os bichos podem ser, às vezes, incomodantemente parecidos com os humanos…

 

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