Rumo à Estação INSS

  Karl Marx até acharia normal, afinal, ele viveu por muitos anos dos estipêndios que o amigo Friedrich Engels arrancava da mais valia dos operários das fábricas do pai. Mas Vladimir Lenin ficaria chocado. O líder russo era um idealista, aquele tipo de pessoa que esquece as considerações práticas da vida para se deixar guiar por uma causa. É de imaginar o desgosto de Lenin ao saber que seus discípulos no Brasil inventaram uma forma de revolução segura e com aposentadoria garantida. É exatamente isso que está ocorrendo no Brasil. Lenin, vindo do exílio, desembarcou na Estação Finlândia, em Moscou, para dar início à insurgência bolchevique. No Brasil, os caminhos revolucionários levaram à Estação INSS. Milhares de militantes esquerdistas que queriam derrubar a ditadura militar – e instalar outra ditadura em seu lugar – estão recebendo um pagamento vitalício pelos sacrifícios pessoais que fizeram pela causa. No total, essas indenizações já devem ter chegado a 4 bilhões de reais. Pedir e receber pagamento público vitalício por ter sido comunista é uma ofensa à memória das centenas de militantes que foram mortos em combate ou nos cárceres da ditadura. É também uma conta cara para o povo. Não é difícil saber de onde está saindo o dinheiro: do bolso dos brasileiros. Pessoas que foram torturadas ou perderam seus empregos públicos apenas por discordar das idéias dos ditadores e viram suas carreiras serem cortadas por razões políticas são merecedoras de reparação financeira. Mas essa noção foi amplamente distorcida no Brasil. A comissão federal que decide pela justeza das indenizações havia recebido 43 mil pedidos até o ano de 2004 e eles continuaram chegando. Obviamente, a maioria é de pessoas a quem a ditadura não causou maiores males. Ainda em 2004, veio a público uma história exemplar. O jornalista Carlos Heitor Cony que ao longo das últimas quatro décadas construiu sólida carreira como escritor e colunista do jornal Folha de São Paulo, teve aprovado um pedido de indenização que lhe garantiu uma pensão de 19.000 reais, até sua morte em janeiro de 2018. Provavelmente, algum dos seus descendentes deve continuar recebendo. Para chegar ao cálculo de 19.000 reais, a comissão valeu-se da Lei nº 10559, de 13 de novembro de 2002. Pelo texto há dois tipos de indenização. No primeiro, a pessoa pode receber o correspondente a trinta salários mínimos por ano de suposta perseguição política, até o limite máximo de 100.000 reais. No segundo tipo, o indenizado recebe um valor mensal correspondente ao posto, cargo, graduação ou emprego que ocuparia se estivesse em atividade. No caso de Cony, a comissão avaliou que, não fosse por sua militância, ele poderia ter ocupado altos postos de direção no Correio da Manhã, de onde saiu por pressão política. É um espanto. O Correio da Manhã fechou as portas nove anos depois da demissão de Cony. É justo que o Brasil faça um ajuste de contas com a sua história, mas essas indenizações são um abuso, diz a cientista política Lúcia Hipólito.

OBS. Adaptado de texto de Marcelo Carneiro, publicado no ano de 2004 em periódico de circulação nacional.

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