PROMETO CUMPRIR A CONSTITUIÇÃO!

Foi o que ouvimos mais uma vez no dia 1º de janeiro do presidente eleito, ao tomar posse. No dia 5 de outubro de 1988, há exatos 30 anos o deputado Ulisses Guimarães (PMDB) anunciou a promulgação da Constituição com um dos mais belos discursos da história brasileira. Três anos após o fim do regime militar a Carta tinha ares de liberdade e democracia. Por apontar como principal característica da Carta Magna – a sétima de nossa história -, a ampla distribuição de direitos e garantias individuais, Ulisses Guimarães a chamou de cidadã. Complexa, detalhista, saiu da gráfica oito vezes maior que a norte-americana. Perde em tamanho apenas para as Constituições Indiana e Nigeriana. Já recebeu 99 emendas. A Constituição dos Estados Unidos com 231 anos e apenas sete artigos, tem 27 emendas. O garantismo jurídico e o resgate da dívida social moldaram-na, e não há dúvida, nesse aspecto, que seja realmente cidadã. Contudo, ao criar um Estado de bem-estar social de país desenvolvido, a Carta brasileira se tornou incompatível com a nossa realidade. Nas palavras do constituinte Roberto Campos, prometia uma seguridade social sueca com recursos moçambicanos. Poderia também ter sido declarada de Constituição do PMDB (hoje MDB), pois a maioria dos parlamentares era desse partido e os demais da esquerda. Ainda, da elaboração da Carta saiu um conjunto incoerente que abrigou utopias, intervencionismo, patrimonialismo, paternalismo, corporativismo e outros ismos. Se fosse perfeita, seria irreformável. Essa é a Constituição de 1988, abarrotada de emendas. Porém, todas as Constituições brasileiras proclamam o direito à propriedade, mas as três últimas tentam subordiná-la a sua função social. Como a função social é aquilo que o governante do momento está pensando, o resultado é um país onde não faltam proprietários, donos de imensas porções de terra, mas sem ânimo para investir em seu cultivo ou modernização do plantio, porque podem perdê-las de uma hora para outra para o MST. As leis brasileiras têm fama de ser boas, a única dificuldade é que não há meios de serem cumpridas. É certo que a história do país está recheada de maus exemplos. Em 1892, inconformado com a pregação oposicionista de um grupo de parlamentares e generais, o marechal Floriano Peixoto decidiu colocá-los na cadeia. O habeas-corpus acabara de ser criado pela Constituinte, mas Floriano, o segundo presidente da República, não teve receio de pressionar a Justiça quando Rui Barbosa entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para conseguir a libertação dos políticos trancafiados. Não sei, amanhã, quem dará habeas-corpus aos ministros do Supremo, advertiu o marechal, chamando o Poder Judiciário à disciplina. A questão de fundo é mais complexa, porém: faz parte do ABC das faculdades de direito aprender a fazer leis que funcionam e, também aperfeiçoar aqueles detalhes que, invisíveis numa primeira leitura, asseguram que uma resolução jamais sairá do papel. Em 1937, por exemplo, quando pôs de pé a Constituição mais autoritária que já existiu no país, o professor Francisco Campos tratou de enfeitá-la com um brinde democrático. Aquele calhamaço de leis era duro, sem dúvida, mas seria submetido a um plebiscito nacional em que se fixaria, inclusive, o mandato do ditador Getúlio Vargas. Campos, que em 1964 enriqueceu o bestiário liberticida do Direito Constitucional brasileiro ao redigir o Ato Institucional de 9 de abril, morreu botando a culpa no Estado Novo com Getúlio Vargas por não ter convocado o plebiscito. Já no governo do general Figueiredo, o último do regime militar, um grupo de parlamentares do PMDB falou em Constituinte pela  primeira vez, mas a idéia parecia fora de propósito tanto que Ulisses Guimarães presidente do partido achou melhor deixá-la de lado pois seria o mesmo que jogar um lenço vermelho no rosto dos militares. Saída do Partido Comunista Brasileiro, a Constituinte era uma palavra maldita nos anos 70. O Congresso voltara a funcionar com apenas dois partidos: MDB e ARENA e o país voltava lentamente à democracia.

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