Assim como ocorreu no caso da possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, mais uma virada benéfica à sociedade brasileira no Supremo Tribunal Federal enterrou a possibilidade de se introduzir, via decisão judicial, a bigamia no ordenamento jurídico brasileiro. Em setembro de 2019, cinco ministros votaram pela possibilidade de se reconhecer uniões estáveis simultâneas, contra três que recusaram esse reconhecimento, incluindo o relator, Alexandre de Moraes. Dos três votos que faltavam, bastaria um em favor da bigamia; no entanto, Dias Toffoli, Nunes Marques e o presidente da corte, Luiz Fux, definiram a questão em estrito respeito à Constituição e à legislação infraconstitucional, que consagram a monogamia como base do direito de família brasileiro.
Os ministros não estavam propriamente debatendo uma ação que tratasse explicitamente da possibilidade de introduzir a bigamia no país; tratava-se, na verdade, de um pedido de divisão de pensão por morte de um homem. Sua companheira já havia conseguido o benefício, mas o falecido mantinha, também, um relacionamento homossexual. Na primeira instância, o parceiro conseguiu a divisão da pensão, mas a segunda instância reverteu o resultado. Quando o julgamento no STF foi iniciado, Moraes defendeu a decisão dos desembargadores, mas logo se viu em desvantagem, com o ministro Edson Fachin abrindo a divergência e sendo seguido por quatro colegas.
O raciocínio de Fachin foi o de que a controvérsia era meramente previdenciária, não de direito de família. Uma dissociação que não resiste ao fato de que ambos os ramos do direito estão profundamente entrelaçados. Reconhecer a divisão da pensão significaria, implicitamente, reconhecer duas uniões estáveis simultâneas – afinal, é a união estável que gera o direito à pensão. Daí a consequência prática: caso permitisse a divisão da pensão, o Supremo estaria tornando legal uma situação de bigamia, explicitamente proibida na legislação brasileira. Felizmente, também não prosperou outro argumento, o do ministro Luís Roberto Barroso, que quis ver uma brecha na lei para argumentar que ela proibiria dois casamentos simultâneos, mas não duas uniões estáveis simultâneas, como se a lei não reconhecesse direitos e deveres similares para ambos os institutos.
A formulação de Moraes em seu voto é bastante feliz: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, §1.º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro” (a exceção se refere à possibilidade de uma nova união da parte de quem já esteve casado ou em união estável, mas se separou). Isso porque ela deixa claro que a lei brasileira consagra o “dever de fidelidade e monogamia”, o que tem consequências sobre outra pretensão que tenta reescrever o conceito de família.