Os três funcionários daquela seção eram bons amigos.
A senhora que ocupava o cargo de chefia era uma espécie de mãe para aqueles dois rapazes.
O horário de expediente não era próprio para intensificar a amizade. Por essa razão Ronaldo, casado, convidou o amigo para visitar sua casa.
Raul, o jovem solteiro, passou a frequentar o lar do colega e os laços do afeto se estreitaram também com sua jovem esposa.
Passado algum tempo, o casal comemorava o nascimento da primeira filha, Ana Cláudia.
O tempo passou. Certo dia, Ronaldo chegou ao trabalho meio cabisbaixo, o que não passou despercebido ao amigo, sempre atencioso e sensível.
O que está acontecendo? Perguntou.
Ronaldo disse-lhe que algo o estava preocupando muito e convidou Raul para tomar o cafezinho habitual, alguns minutos antes. Precisava desabafar.
Mal se sentaram à mesa e Ronaldo foi falando: Sabe que minha esposa está grávida outra vez?
E, rápido, completou, aborrecido: Eu não vou aceitar esse filho. Já marcamos o aborto para amanhã cedo. Vamos tirar a criança.
Raul sentiu como se o chão lhe faltasse sob os pés. Como cristão, não conseguia entender como um pai e uma mãe têm coragem de cometer um crime desses.
Ronaldo continuou: Não dá para aceitar um filho logo em seguida do outro. Nossa menina está com apenas dez meses…
Raul agora entendera melhor as razões do amigo e perguntou, com sincera vontade de obter uma resposta séria: Mas, por que você deseja matar seu filho?
A pergunta caiu como uma bomba no coração de Ronaldo. Ele pensara em abortamento, não no que ele representa: um homicídio.
Raul ainda lhe fez mais uma pergunta: E se sua filha vier a morrer, como ficarão as coisas?
Ronaldo ficou desconcertado, abaixou a cabeça, terminou de tomar seu café e voltaram, ambos, para o trabalho.
Naquela noite, Raul rogou com fervor a Deus para que salvasse aquela criança.
No dia imediato, embora ansioso, não teve coragem para perguntar nada. Temia a resposta.
Porém, Ronaldo tomou a iniciativa: Minha esposa e eu não conseguimos dormir esta noite…
O coração do amigo bateu acelerado…
Logo, Ronaldo concluiu: Resolvemos deixar que venha mais um…
Raul explodiu em lágrimas de profunda alegria. Meses depois estava na festa de um ano de Ana Paula, a segunda filha do casal, contemplando, feliz, o paizão exibindo as duas meninas, uma em cada braço.
O tempo passou. Então, retornando de breve viagem, Raul não encontrou o amigo na repartição, e quis saber o que havia acontecido.
A chefe lhe falou: Então, você ainda não sabe?
Não, me diga o que houve. E a notícia o abalou ao ouvir a resposta: A filha mais velha do Ronaldo morreu.
Raul dirigiu-se imediatamente para o lar dos amigos.
Ronaldo chorando, discretamente, com a segunda filha adormecida em seu colo, disse com profunda dor ao amigo:
Quero lhe agradecer por ter salvado minha vida. Se você não tivesse evitado que eu matasse Ana Paula, a essa hora eu já teria matado a mim, movido pelo remorso e pelo desespero.
Ambos se abraçaram e choraram juntos por algum tempo. Entretanto, Raul não esqueceu de agradecer a Deus por ter atendido as suas preces, poupando a vida daquela criança, que agora dormia, serena, no colo do pai, que um dia havia pensado em matá-la, no ventre da mãe.