A ESCOLHA DO SENHOR

Conta-se que alguns apóstolos do bem tanto se ergueram na virtude que, pela extrema sublimação de suas almas, conseguiram atingir o limiar do Santuário Resplendente do Cristo…

Missionários ocidentais ostentavam dalmáticas imponentes, lembrando as instituições religiosas a que haviam pertencido, enquanto que os santos do Oriente exibiam túnicas liriais. Veneráveis sacerdotes das igrejas católicas e protestantes confundiam-se com patriarcas judeus e budistas. Admiráveis seguidores de Confúcio e insignes devotos de Maomé entendiam-se uns com os outros. Muito acima das interpretações humanas, tendentes à discórdia, alcançavam, enfim, a suprema união na esfera dos princípios.

Exornava-se cada um com a mensagem simbólica dos templos que haviam representado. Anéis, cruzes, báculos, auréolas, colares, medalhas e outras insígnias preciosas destacavam-se do linho e da púrpura, da seda e do ouro, faiscando ao sol em que se banhavam.

Entretanto, um deles destoava do brilhante conjunto. Era um antigo servidor do deserto que não se filiara a igreja alguma. Ibraim Al-Mandeb fora apenas devotado irmão dos infelizes que vagueavam nas planícies arenosas da Arábia. Não possuía qualquer sinal que o recomendasse ao respeito e à consideração. Trazia os pés descalços, em chaga e pó. Na veste rota, mostrava as manchas sanguinolentas das crianças feridas que havia conchegado de encontro ao peito. As mãos magras e hirsutas pareciam forradas em couro de camelo, tão calejadas se achavam no rude trabalho de assistência aos viajantes perdidos. Os cabelos grisalhos e imundos falavam de longas peregrinações sob a tempestade, e o rosto enrugado e rijo era a pesada moldura de dois olhos belos e lúcidos, mas encovados e tristes, guardando pavorosas visões das dores alheias que ele havia socorrido, abnegado e atento.

Isolado no festim, o ancião notou que dois anjos examinavam a assembleia, fazendo anotações num pergaminho celestial. Depois de analisarem todos os circunstantes, um por um, abeiraram-se dele, estranhando-lhe a desagradável presença. – Amigo – interrogou um dos emissários, a que igreja pertenceste na Terra?

– Para que a pergunta? – inquiriu o forasteiro com humildade.

– O Senhor deseja entender-se com um dos visitantes do Lar Divino e estamos relacionando, por ordem, os nomes daqueles que mais profundamente o amaram no mundo…

– Não se preocupem então comigo! Clamou o anônimo beduíno. – Nunca pude consagrar-me ao culto do Senhor e sinceramente ignoro por que razão fui guindado até aqui, quando não posso ter lugar entre os eleitos da fé. – Que fizeste entre os homens? – Que o Senhor me perdoe a ingratidão e a dureza – suspirou o velhinho, mas o sofrimento de meus irmãos não me deu oportunidade de pensar nele… Nunca pude refletir na sublimidade do Paraíso, porque o deserto estava cheio de aflição e lágrimas…

Vendo que o estranho peregrino prorrompera em pranto, o anjo que se mantivera silencioso opinou compreensivo: – Em verdade, não podemos situar-te na relação dos que amaram o Benfeitor Eterno, mas colaremos teu nome do pergaminho, como alguém que amou imensamente os semelhantes… Depois de longos minutos de expectação, vasto grupo de mensageiros divinos penetrou o átrio engalanado de flores, em cânticos de júbilo, trazendo uma larga faixa com um nome grafado em caracteres de luz. Era o nome do velho Ibraim Al-Mandeb. Pretendia o Senhor conversar com ele.

 

Livro: CONTOS E APÓLOGOS. Irmão X (Espírito). Psic. Francisco Cândido Xavier. FEB. Rio de Janeiro – RJ. 5ª Ed. 1986.

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