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Vicente Curi, o empreiteiro de obras, amanheceu exasperado. Enfermo. Abatido. O corpo bambeara e a cabeça parecia-lhe um vaso em fogo.
Justamente naquele dia. De noite, marcara o relógio. Horário certo de levantar. Quatro operários esperavam-no para necessária demolição do velho prédio que adquirira em bairro distante.
Precisava satisfazer o serviço urgente em reconstruções diversas. Via-se, porém, cansado, febril. Além disso, vomitava substância amarga.
Tentara erguer-se. Inutilmente. A esposa dissera ser “melhor chamar médico”. Vicente reagiu, obstinado. Carro de clínico à porta, alarme certo… D. Mercedes, a esposa, pede-lhe calma. É indispensável confiar na Divina Bondade.
Às nove horas, Cesário, um dos cooperadores, vem pedir providências. Atacando o serviço, ele e os companheiros assistiram ao inesperado. A casa velha, caindo aos pedaços, não aguentou a força das picaretas e ruíra, de vez. Valmiro, o operário mais jovem, tivera os pés gravemente feridos, ficando impossibilitado para o trabalho.
O empreiteiro, agora, não apenas gemia. − Onde a Providência Divina que não me ajuda? – gritava frenético.
Badalavam dez horas. Entulhado de comprimidos, Vicente pede à esposa a injeção antitóxica guardada no armário. Era a última de pequena série que deixara incompleta. Tanto tempo passara que D. Mercedes julgou prudente comprar uma nova caixa em farmácia vizinha.
− Não temos – falara o vendedor. E acrescentou: − Agora é remédio raro.
O enfermo, no entanto, não se conformava. Queria a injeção. Velha assim mesmo. Entretanto, buscando ajustá-la à agulha, D. Mercedes viu-a cair ao piso, perdendo-se o conteúdo. Vicente se enraiveceu, enquanto a mulher lhe falava na Providência Maior.
Mais tarde, porque sentisse dores nas costas, D. Crescência, antiga enfermeira da vizinhança falou em aplicação de ventosas. Vicente lembrou-se do avô, sob ventosas acima dos rins. E aceitou-as.
Copos de vidro, algodão e fósforos foram trazidos ao quarto. Quando faziam a aplicação das ventosas, um algodão inflamado escapa das mãos da bondosa amiga.
Inicia-se o fogo nos lençóis finos. Vicente é retirado pelas senhoras. Ultrapassa os limites do silêncio correto. Protesta indignado. Fala asneiras; do colchão incendiado, porém, sai correndo enorme escorpião, mostrando dardo em riste.
D. Mercedes persegue o lacrau que lhe foge ao chinelo e fala mais uma vez sobre o Amparo Divino… D. Pede o concurso de Souto, amigo da casa, para conduzi-lo ao templo espírita. Vicente precisava de socorro moral. Convencera-o a valer-se do passe de reconforto. Souto promete colaborar, e, na hora certa, surge sorrindo. Está pronto.
O enfermo toma-lhe o braço, mas, talvez porque se movimentasse com lentidão, o ônibus esperado não espera por eles…
− Era o que faltava! – diz Vicente, enervado. Não quer mais o passe. O amigo, entretanto, iniste. D. Mercedes insiste. Tomam um táxi. Chegam ao templo indicado, alcançando o recinto no memento em iam cerrar a porta. São os últimos. Antes deles, porém, um moço pálido entra à pressa e roga ao diretor da reunião, em voz alta, uma oração pelas vítimas du um acidente, ocorrido momentos antes. O ônibus que Vicente perdera, capotara em local próximo… Quatro mortos e dez feridos…
Iniciava-se a prece de abertura… No momento do passe, o Irmão Luís, orientador espiritual das tarefas em curso, incorpora-se em D. Cristina, a médium habitual, e diz a Vicente:
− Meu amigo, não reclame. Por quatro vezes hoje rebelou-se contra a Providência Divina, ao passo que Ela o arrebatou às garras da morte por quatro vezes. Sua ficha de espírito devedor marcava, para hoje, a desencarnação rude e violenta. Você esteve a ponto de ser esmagado pelo prédio que veio a cair; de ser envenenado pela ampola que trazia líquido alterado; de ser picado pelo escorpião no próprio leito, e de ser estrangulado na engrenagem do coletivo menos feliz… Entretanto, Vicente, em atenção aos seus gestos de caridade, amigos espirituais do caminho advogaram-lhe a causa. Você mereceu amparo, na Lei como alguém que consegue moratória no banco… Volte e agradeça os contratempos e dissabores do dia. Serenidade é remédio em cada remédio.
Vicente enxugou os olhos úmidos… Terminara a sessão, regressou a casa, tranquilo. Reconciliara-se consigo mesmo, e, tornando ao leito, que recebia agora por bênção doce e reconfortante, pleneou, satisfeito, a renovação de sua vida…
Livro: A vida escreve. Hilário Silva. (Espírito). Psic.Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira. FEB. Rio de Janeiro RJ. 7ª ed. 2008.
Manoel Ataídes Pinheiro de Souza. CEAC Guaraniaçu – PR – manoelataides@gmail.com