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A consciência é um núcleo de forças, em torno do qual gravitam os bens e os males gerados por ela mesma e, ali, estávamos defrontados por vasta fileira de almas, sofrendo nos purgatórios diferenciados que lhes eram característicos.
Abeiramo-nos de triste companheiro (espírito), de macilenta expressão fisionômica, e Hilário, num impulso todo humano, perguntou-lhe:
– Amigo, como te chamas? – Eu? – tartamudeou o interpelado.
E num esforço tremendo e inútil para recordar-se de alguma coisa, ajuntou: – Eu não tenho nome…
– Impossível!… – considerou meu colega, dominado de espanto – todos temos um nome.
– Esqueci-me, esqueci-me de tudo… – comentou o infeliz, desoladamente.
– É um caso de amnésia a estudar – aclarou o companheiro da equipe de trabalho que visitávamos.
– Fenômeno natural? – interrogou Hilário perplexo.
– Sim, pode ser natural, em razão de algum desequilíbrio trazido da Terra, mas é possível que o nosso amigo esteja sendo vítima de vigorosa sugestão pós-hipnótica, partida de algum perseguidor de grande poder sobre os seus recursos mnemônicos. Encontra-se ainda profundamente imantado às sensações físicas e a vida cerebral nele ainda é uma cópia das linhas sensoriais que deixou.
Assim considerando, é provável esteja submetido ao império de vontades estranhas e menos dignas, às quais se teria associado no mundo.
– Céus! – clamou meu colega impressionado – é possível semelhante dominação depois da morte?
– Como não? A morte é continuação da vida, e na vida, que é eterna, possuímos o que buscamos.
Atento aos nossos estudos da mediunidade, observei: – Se o nosso amigo desmemoriado for conduzido ao aparelho mediúnico (um médium), manifestar-se-á, acaso, assim, ignorando a identidade que lhe é própria?
– Perfeitamente. E precisará de tratamento carinhoso como qualquer alienado mental comum
Exprimindo-se por algum médium que lhe dê guarida, será para qualquer doutrinador terrestre o mesmo enigma que estamos presenciando.
Nesse momento, renteou conosco uma entidade em deplorável aspecto. Era um homem esguio e triste, exibindo o braço direito paralítico e ressecado.
Atendendo-me ao olhar interrogativo, o companheiro, como quem não mais dispunha de tempo para o comentário fraterno, apenas me disse: – Faça uma auscultação. Repare por si mesmo. Acerquei-me do amigo sofredor. Toquei-lhe a fronte, de leve, e registrei-lhe a Angústia. Nas recordações que se lhe haviam cristalizado no mundo mental, senti-lhe o drama interior.
Fora musculoso estivador no cais, alcoólatra inveterado que, certa feita, de volta a casa, esbofeteou a face paterna, porque o velho genitor lhe exprobrara o procedimento. Incapaz de revidar, o ancião, cuspindo sangue, praguejou, desapiedado: – Infame! O teu braço cruel será transformado em galho seco… Maldito sejas!
Ouvindo tais palavras que se fizeram seguidas por terrível jato de força hipnotizante, o mísero tornou à via pública, sugestionado pela maldição recebida, bebericando para esquecer. Cambaleante, foi vitimado num desastre de bonde (trânsito), no qual veio a perder o braço. Sobreviveu por alguns anos, coagulando, contudo, no próprio pensamento a idéia de que a expressão paternal tivera a força de uma ordem vingativa a se lhe implantar no fundo dalma e, por isso, ao desencarnar, recuperara o membro dantes mutilado a pender-lhe, ressecado e inerte, no corpo perispirítico. Enquanto refletia, o nosso orientador reaproximou-se de nós e, percebendo quanto se passava, informou: –… Nosso amigo trás a mente subjugada pelo remorso com que ambientou nele mesmo a maldição recebida. Exige muito carinho para refazer-se…
Sem despreocupar-me do tema que nos prendia a atenção, inquiri: – se esse companheiro utilizar-se da organização mediúnica, transmitirá ao receptor humano as sensações de que se acha investido? – Sim – elucidou o Assistente, refletirá no instrumento passivo as impressões que o possuem, nos processos de imanização em que se baseiam os serviços de intercâmbio…
Do Livro: NOS DOMÍNIOS DA MEDIUNIDADE. André Luiz (Espírito). Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro – RJ. 23ª Ed. 1995.
Manoel Ataídes Pinheiro de Souza – CEAC – Guaraniaçu PR. manoelataides@gmail.com