A poesia que há no silêncio

Em meu ofício de professor, certa vez, uma estudante, questionou-me sobre as características de uma menina bonita. Respondi-lhe que, para mim, uma menina bonita seria estudiosa, educada, simpática, esforçada, solidária e boa filha. Percebi sua cara de espanto e acrescentei que vivemos em uma sociedade que valoriza mais o “ter” e que dá pouco valor ao “ser” e, que isso está errado. Ela ouviu e assentiu e, continuei a aula, voltando ao tema específico desta. Penso que a estudante (em plena adolescência), estava refletindo sobre os ditos padrões de beleza impostos pela indústria da moda e, por meio da mídia, internalizados pela sociedade. Todos temos necessidade de aceitação e ela estava refletindo como se encaixava ante o que a sociedade espera dela. É angustiante para qualquer pessoa, perceber que foge aos padrões ditados pelos fundamentalistas de plantão. Isso é ainda mais grave quando se trata de crianças e adolescentes. Não por acaso, cada vez mais, jovens procuram os consultórios de psicólogos e psiquiatras e, isso é algo necessário. No entanto, muitas vidas já se perderam e se perdem, pela falta de empatia das pessoas para com as demais. Vidas que, por esse motivo, foram abreviadas pelos autores de suas próprias histórias e, em número imensamente maior, vidas que se perdem à margem invisibilizadas por não atenderem aos padrões de “normalidade” ditados pela sociedade.

            Vivemos em uma sociedade doente. Eu concordo com o compositor e cantor Caetano Veloso quando diz “de perto ninguém é normal” e acrescento que muita gente está doente e se trata por conta de gente que está doente e não busca tratamento. Digo isso, não como indireta a quem quer que seja, embora não falte quem tome para si (vestindo a carapuça) artigos que escrevo de forma generalista. Neste espaço, que prezo muito, não me escondo por trás das palavras para criticar a quem quer que seja. Falo de ideias, de atitudes (quando coletivas) e nunca de pessoas. Quando necessário falar de pessoas, somente faço, se forem públicas e suas atitudes (boas ou ruins) forem de interesse societário, aí as nomino. Penso que a discussão deve ficar sempre no campo das ideias e nunca avançar para o lado pessoal. Se o que escrevo incomoda, essa é a minha missão. Levar o leitor a refletir, a ser confrontado com uma visão diferente acerca dos fatos. Há que se ter maturidade para ler, refletir, concordar ou discordar, sem perder a empatia. Quando ando nas ruas, observo pessoas que torcem a cara quando me vêem, outras me cumprimentam efusivamente. Assim é a vida, o diferente assusta, pois, não se molda à caixa à qual a outra pessoa está confortavelmente instalada e, para outras pessoas, significamos o fato de saberem não estar sozinhas, pois, conosco se identificam.

            Recorrendo novamente à música, lembro de Raul Seixas (1945-89) quando entoava a música “maluco beleza”  afirmando que “as pessoas se esforçam em serem normais, fazendo tudo igual e, ele aprendendo a ser louco, maluco total, misturando a maluquez com a lucidez e, sabendo que o caminho escolhido é fácil seguir, por não ter onde ir”. Ditar padrões de normalidade é um ato terrorista efetivado por pessoas e grupos que se recusam a pensar fora da confortável caixa em que se instalaram. O que é ser normal? Quem disse que a normalidade é saudável? Penso que o “normal” é um sujeito que, tal como todo o tecido social, está adoecido. Entendo que é mais fácil ir a favor da correnteza do que ir contra ela, no entanto, a maioria das pessoas sequer sabe que é levado pela correnteza e, pensa conduzir sua vida, quando pouco ou nenhum controle tem sobre ela. Às vezes precisamos nos distanciar do barulho do convívio social para nos encontrarmos conosco. Precisamos de momentos a sós. Neles podemos refletir, ler um bom livro, ouvir música, contemplar a natureza. Cada pessoa precisa ser a melhor amiga de si mesma e tudo deve fazer para proteger essa amizade. Esqueçam as negativas recebidas, talvez isso ocorra apenas porque você pensa “fora da caixa”, o que assusta as pessoas ditas “normais”. Viver em meio ao ruído das pessoas e da sociedade é inevitável, mas, sempre que possível, busque o silêncio. Nele a sabedoria e a poesia se revelam. Tenha sempre empatia, afinal, todas as pessoas estão doentes, embora muitas não saibam disso, pois, todas, sem exceção, estão vivendo momentos difíceis.

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