A releitura de um livro permite um reexame com novas constatações e a elaboração de novas indagações ante o objeto de análise, pois, com o passar do tempo, nosso arcabouço teórico nos coloca em novo patamar de conhecimentos, e, leituras consideradas complexas se tornam mais acessíveis. Pensando assim, retomei o livro Quem manipula quem? de Ciro Marcondes Filho. O livro em questão foi publicado em primeira edição em 1986 e adquirido por mim em 1991, já na quarta edição. Na obra, Ciro argumenta que há no país uma grande oposição à invasão cultural estadunidense, a qual estaria prejudicando a cultura nacional e que seus críticos parecem ver na cultura dos EUA a figura de um estuprador que violenta a cultura popular brasileira tida como uma jovem e inocente donzela.
Afirma que os críticos cometem um grave erro ao supor ser a cultura estadunidense algoz da cultura nacional, quando, na verdade é a cultura capitalista a causadora de grandes impactos no imaginário da sociedade. Também afirma que a cultura recebe contribuições de elementos culturais de outros países e que mesmo nossa cultura não é a perfeição para ser de todo preservada, pois, contém traços de machismo, preconceito étnico e socioeconômico, etc. O modo capitalista de pensar se impõe na sociedade e gera o individualismo, o narcisismo, e principalmente, o consumismo. No capitalismo, tudo se transforma em mercadoria pronta para ser consumida, não é diferente com as pessoas, que vendem sua mão-de-obra nas máquinas de moer seres humanos que conhecemos por empresas capitalistas, ou mesmo seu corpo, seja para o desfrute do olhar nas revistas masculinas ou para o prazer do cliente. Dessa forma, os meios de comunicação privados somente sobrevivem pela busca incessante do lucro e isso remete ao título da obra em que o autor argumenta que os críticos costumam atribuir grande poder de manipulação aos meios de comunicação (TV, rádio, jornais e revistas) e consideram os receptores de tais artigos e programas como ingênuos e indefesos, visão em seu ver, equivocada.
O autor argumenta que os meios de comunicação, especialmente a TV precisa de audiência sendo esta a moeda com que o telespectador paga pelos seus programas e que o índice de audiência possibilitará à emissora de TV estabelecer o preço pelos anúncios publicitários que renderão recursos financeiros que custearão as despesas e possibilitarão o lucro que toda empresa capitalista busca. Ciro afirma que o público somente pagará com a moeda audiência se a programação estiver de acordo com os anseios deste, do contrário, mudará de canal até encontrar a programação que lhe agrade.
Sob este prisma, penso que a qualidade de parte da programação da TV aberta brasileira, a qual é bastante discutível e constitui verdadeiro lixo televisivo, e mesmo assim, ao obter grande audiência leva a crer que seus receptores estão sendo supridos do que desejam, talvez devido ao seu baixo nível cultural. Portanto, sexo, palavrões, violência, piadas preconceituosas, etc. geram audiência porque inúmeros telespectadores se veem ali, o efeito danoso fica por conta do fato de que ocorre a naturalização da estupidez, pois, ao ver cenas de pessoas rudes, egocêntricas e desonestas, os espectadores que correspondem a esse perfil, tomam como normal essa forma de ser e assim agem.
A relação entre o telespectador e o meio de comunicação é uma via de mão dupla, no entanto, penso que Ciro exagera ao supor que em geral as pessoas teem capacidade crítica para entender que nem tudo o que os programas de TV e rádio divulgam corresponde a uma visão de mundo e não a verdade em si. As pessoas de menor nível instrucional são as que mais utilizam unicamente a TV e o rádio para se informar e este segmento social costuma tomar como verdade notícias que foram tratadas nas redações e que alteram ou omitem a verdadeira informação.
O autor também afirma que os meios de comunicação privados são uníssonos na defesa da liberdade de expressão e condenam veementemente a censura, mas, esquecem ou fazem questão de não reconhecer que guardam para si a prerrogativa de exercer a censura, ao não dar liberdade ideológica para seus jornalistas nas redações e ao não dar espaço para a defesa do contraditório por parte dos grupos políticos que defenestram. Uma análise aprofundada do livro resultaria muito longa, deixo então, a dica.
Sugestão de boa leitura:
Quem manipula quem – Ciro Marcondes Filho. Editora Vozes.