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Eu acuso! A verdade em marcha

Há alguns dias resolvi ler um livro do jurista, advogado, político, diplomata, escritor, filólogo, jornalista, tradutor e orador brasileiro Ruy Barbosa (1849-1923), a obra em questão “O processo do Capitão Dreyfus” condenado em fins do século XIX por espionagem e traição à pátria francesa. Ruy foi uma das primeiras vozes a perceber o que hoje conhecemos como LAWFARE, ou seja, a manipulação intencional das leis por magistrados com o objetivo de alcançar o resultado político desejado, muitas vezes contando com os meios de comunicação na divulgação das distorções jurídicas para obter apoio popular e alcançar a hegemonia do discurso na caminhada ao Poder. Á época Ruy Barbosa estava auto-exilado na Inglaterra dada as condições políticas dos primeiros anos republicanos no Brasil. Ruy escrevia da Inglaterra para o Jornal do Commércio e passou a descrever o caso com suas análises sobre o mesmo, apontando os erros da Justiça Francesa.

Ao terminar de ler o livro de Ruy Barbosa, resolvi ler a obra do consagrado escritor francês Émile Zola (1840-1902) que ao acompanhar o caso, a sua ampla repercussão nos jornais como uma estratégia do Poder Judiciário e dos setores militares para insuflar na sociedade o anti-semitismo e propagar uma visão nacionalista em benefício da extrema-direita francesa e, vendo uma pessoa inocente condenada, recusou-se a permanecer indiferente. Zola arriscou seu prestígio perante a população quando escreveu uma carta ao presidente francês, na qual denunciou os erros do processo e acusou os responsáveis pela sua manipulação. Publicou a carta e vários artigos sobre o caso em jornais. O caso começa com uma funcionária francesa que fazia a faxina na Embaixada Alemã em Paris. No cesto de lixo ela encontra uma carta cujo conteúdo contém informações relevantes sobre o exército francês. A funcionária entrega a carta no exército francês, instaura-se um processo investigativo e documentos com a grafia dos oficiais são analisadas por três “peritos” e se “constata” a culpa do Capitão Alfred Dreyfus, um dos raros judeus integrantes do oficialato militar francês. Num verdadeiro Tribunal de Exceção, Dreyfus é condenado apesar de insistir em sua inocência e denunciar o caráter anti-semita (preconceito ou ódio contra os judeus) da acusação. Dreyfus é enviado à penitenciária da Ilha do Diabo (Guiana Francesa), famosa pela péssimas condições ofertadas aos presidiários (tortura e terror) da qual muitos não voltam vivos. Em 1897, dado o clamor dos intelectuais e de parte da imprensa, a imagem da França está arranhada ante o mundo. Visando salvar suas imagens, o Estado Francês, o Exército e a Justiça resolvem dobrar a aposta mantendo a farsa e operando um contorcionismo jurídico que não acolhe as provas da inocência de Dreyfus e da culpabilidade do Comandante Esterhazy. A condenação é mantida.

Émile Zola encabeça uma lista de intelectuais que são jogados contra a opinião pública e inclusive processados, multados e condenados pela Justiça ao defender que se faça a justiça com o devido respeito ao processo legal e com o acolhimento das provas de inocência do réu e que se reconheça o erro, absolvendo-o e que se processe Esterhazy. Em 1899, o Estado Francês pressionado, concede a anistia a Dreyfus (sem reconhecer sua inocência e sem devolver seu cargo). Em 1902, Émile Zola que publicou vários artigos em jornais denunciando a fraude judiciária (para quem a anistia não era suficiente) é encontrado morto por asfixia, sua morte nunca foi esclarecida e, acredita-se que tenha sido obra de militantes da extrema-direita. Somente em 1906, a inocência de Dreyfus é reconhecida juntamente com a culpabilidade de Esterhazy. Dreyfus, enfim, recupera seus direitos e seus galardões. Esterhazy, o traidor, foge para a Inglaterra e lá vive até o fim dos seus dias.

O caso Dreyfus é talvez o primeiro grande caso de Lawfare cuja popularização atravessou as fronteiras do país no qual ocorreu. O Brasil também tem um caso Dreyfus para chamar de seu, a condenação ilegal do ex-presidente Lula por meio de LAWFARE pelo ex-juiz Sérgio Moro. Tanto lá (na França) como cá, ficou provado que muitas vezes, a Justiça tem lado e nem sempre é o do verdadeiro Direito.

Sugestão de boa leitura:

Título: Eu acuso! A verdade em marcha.

Autor: Émile Zola.

Editora: L&PM, 2009, 176 pág.