O crepúsculo da democracia

Anne Elizabeth Applebaum (1964) é uma escritora e jornalista estadunidense que desenvolveu sua carreira escrevendo artigos para alguns dos jornais mais importantes do mundo sobre o comunismo, a transição do socialismo para o capitalismo levado a cabo pelos países da Europa Oriental. Anne reside na Polônia, país no qual contraiu matrimônio com o político polonês Radoslaw Sikorski com o qual tem dois filhos. Applebaum foi ganhadora do Prêmio Pulitzer de não-ficção geral em 2004. Embora radicada na Polônia, Anne viaja muito pela Europa e não raras vezes se desloca para o seu país natal, os Estados Unidos da América. Entre seus livros de maior destaque encontra-se “Entre o Oriente e o Ocidente” e “Gulag: uma história”. Applebaum é fluente em inglês, francês, polonês e russo.

                O título da obra aqui resenhada é auto-explicativo. Em “O crepúsculo da democracia: como o autoritarismo seduz e as amizades são desfeitas”, Applebaum conta sobre o estarrecimento que teve quando observou que do seu círculo próximo de amizades inclusive pessoas que recebia na sua casa para banquetes, após algum tempo, já não a cumprimentavam devido a divergência políticas. Anne se define como uma pessoa cuja ideologia a coloca na centro-direita ou mesmo na direita do espectro político. Ocorre que muitas das suas antigas amizades foram inviabilizadas. Muitas dessas pessoas afirmam que Anne é uma esquerdista, embora a jornalista afirme que ela se mantém fiel a ideologia que sempre teve e que a coloca no canto oposto da esquerda política. Antenada, Applebaum acompanha a trajetória de seus amigos e amigas e observa atônita que muitas dessas pessoas defendem posições antidemocráticas e praticam discursos de ódio.

                Na obra, Anne discorre sobre a polarização política que ocorre em vários países cuja rachadura do tecido social só faz aumentar. Comenta sobre as bolhas que se formam nas redes sociais onde quem pensa diferente é excluído ou se auto-exclui. Se informando por meio de redes sociais e sites nem sempre confiáveis quanto à qualidade da informação e, sem disposição para fazer a checagem de tais notícias, as pessoas acreditam com uma fé inquebrantável em fake news produzidas ao gosto do consumidor. A autora discorre também sobre o fascínio que o discurso autoritário desperta em pessoas que acreditam que as coisas podem ser resolvidas facilmente com o uso da força. O discurso de ódio é dirigido contra tudo aquilo que é diferente, seja o imigrante, a população LGBTQIA+, os esquerdistas, etc.

                Applebaum registra que muitas vezes tais discursos de ódio versam sobre problemas inexistente naquele país, porém, políticos utilizam tais falas para capitalizar apoios. Ela cita a Hungria que sequer tem problema considerável quanto a entrada de imigrantes, mas, cujos discursos políticos e noticiários debatem o tema o tempo todo. Anne se diz assustada com os discursos de ódio evocando a xenofobia, o racismo, etc. proferidos por pessoas com as quais conviveu. Tais discursos versam sobre como o passado era glorioso, de que nele havia dignidade, heroísmo, etc. E denotam grande preconceito contra judeus, muçulmanos, esquerdistas, etc. A autora também afirma que a violência, seja ela, verbal ou física contra funcionários públicos, jornalistas e juízes só aumenta.

                A autora faz uma constatação importante, ela sugere que a chamada velha mídia (a mídia tradicional) perdeu a exclusividade de pautar os temas para a discussão da sociedade. Hoje quem faz isso são as redes sociais que escancararam a complexidade do mundo. As redes sociais, têm um aspecto democrático, ao possibilitar que mais parcelas da sociedade possam se ver representadas nas discussões, porém, a tendência de formação de bolhas de pensamento único tendem a manter apenas aqueles que compartilhas de tal ideologia. Sem o confronto com  o discurso contraditório, as pessoas tomam como verdade, interpretações dos fatos e não os fatos em si e, dessa forma se tornam agressivos contra quem discorda da verdade, que é a única possível, a sua verdade. Os fatos já não importam. Como as redes sociais são várias e, inúmeros são os canais e sites existentes nas redes sociais, as pessoas não se entendem ao dialogar sobre determinados fatos, pois, cada um teve acesso a interpretações dos fatos e não aos fatos em si.

                A autora lembra dos fundadores dos Estados Unidos e como eles se preocuparam com o risco que políticos populistas e autoritários poderiam causar à democracia estadunidense colocando contrapesos para evitar o risco da aventura autoritária. Anne considera que não há garantias suficientes colocadas em qualquer constituição, em qualquer país do mundo, mas, que a resistência aos projetos autoritários de poder representados por políticos (por ela citados) em vários países, precisa ser sempre vigilante e atuante. Um desafio enorme tendo em vista a cacofonia que se tornou atualmente o debate sobre a política, a cultura, enfim, a sociedade.

Sugestão de boa leitura:

Título: O crepúsculo da democracia.

Autor: Anne Applebaum.

Editora: Record, 2021, 1ª ed., 167 pág.