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O harém de Kadafi

Professor da rede pública estadual formado no PDE 2007/2008; especialista Metodologia do Ensino de Geografia; Realidade Brasileira;

Muammar Muhammad Abu Minyar al-Gaddafi (1942-2011) foi o presidente da Líbia desde o ano de 1969 (quando na condição de militar liderou o golpe que depôs o monarca Idris I) até sua morte (execução) em 2011. Kadafi (na pronúncia em português) governou a Líbia com mãos de ferro apoiadas em seu serviço secreto que o abastecia com todas as informações quanto a seus opositores que eram estimulados a permanecer em silêncio ou silenciados. Kadafi era tido como excêntrico e chamava a atenção sua guarda presidencial feminina que o acompanhava nas viagens que fazia ao exterior. Também fazia parte do espetáculo, preterir os hotéis luxuosos e  instalar tendas para nelas receber as autoridades durante os dias em que ficava em território estrangeiro. Kadafi, porém, não era apenas excêntrico, era controverso, polêmico e suas atitudes pouco democráticas fizeram com que multiplicasse o número de inimizades dentro e fora do país.

            Kadafi nascido em Sirte (cidade em que foi capturado e morto), filho de beduínos pobres cujo pai esforçou-se em colocá-lo na escola por considerar ter grande inteligência, acabou por aderir à carreira militar onde rapidamente galgou postos de comando. E foi na condição de líder militar que chegou ao poder líbio ao destituir a monarquia. Buscou sempre a união árabe (no que fracassou) e, mais tarde a união africana (também sem sucesso). No governo, publicou o Livro Verde no qual propunha uma alternativa ao socialismo real e ao capitalismo. Era um grande marqueteiro, fazia discursos inflamados e chamava a atenção mundial para temas com os quais podia capitalizar sua imagem, porém, poucas eram as ocasiões que seu discurso estava afinado com sua prática. Narcisista, estimulava a adoração à sua imagem como uma espécie de “pai de todos”.

            O Governo de Kadafi caiu em meio à Primavera Árabe, ocasião em que a população saiu às ruas incitada e organizada por lideranças que  por meio das redes sociais tinham como objetivo exigir democracia, liberdade e respeito aos direitos civis. Os protestos, tal como peças de dominó enfileiradas foram se sucedendo no norte da África desde a Tunísia e atingindo países como a o Egito e a Líbia, porém, à exceção destes países citados, noutros não logrou êxito. Há estudos que demonstram que tais protestos tiveram auxílio estrangeiro (Soft Power ou Guerra Híbrida) com a intenção de desestabilizar governos refratários aos interesses das grandes potências. Tanto é verdade, que a virada na Guerra Civil Líbia se deu com a entrada das potências (Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália) que à frente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardearam as forças leais a Kadafi mudando o curso dos acontecimentos.

            As potências obviamente afirmaram que com o auxílio pretendiam retirar uma ditadura dando condições à instalação da democracia naquele país. No entanto, sabemos que estas parecem acreditar que onde há petróleo, a democracia deve receber mais estímulos. De forma alguma, criticamos as razões que levaram o povo líbio a querer mudanças na política do país, entretanto, não somos, ingênuos de acreditar que as potências o fizeram de forma desinteressada. O tempo até aqui decorrido mostrou que a revolução frustrou o sonho de dias melhores. O caos domina o país, traficantes de drogas controlam cidades, guerrilheiros tribais que disputam o poder e controlam áreas do território, a economia colapsou,a pobreza aumentou enormemente.

            A jornalista francesa Annick Cojean publicou em 2012 o livro “O harém de Kadafi”. Nele a autora conta a história de Soraya, uma jovem e bela estudante de 15 anos, que fora escolhida pela direção da escola em que estudava para entregar flores ao então presidente líbio em visita à cidade. Muammar recebeu as flores e afagou o cabelo de Soraya, era a senha, a líder da guarda presidencial feminina viria mais tarde buscá-la, tinha sido escolhida para o harém. Na obra, Cojean além de publicar os relatos de Soraya, que por cinco anos teria sido mantida como escrava sexual do ditador, um grande consumidor de viagra. No palácio havia uma área em que ficavam alojadas as moças que podiam ser chamadas a qualquer momento do dia ou da noite para atender aos desejos sexuais dele. Kadafi que em seus discursos pregava os bons costumes (segundo a religião islâmica) e exaltava e valorizava o papel das mulheres na sociedade, as tratava como objetos sexuais, inclusive obrigando-as a  consumir drogas. Cojean viajou para a Líbia (após a morte de Kadafi) para investigar e descobriu que o assunto virou tabu naquele país, ninguém quer falar. Parte da população, porque admirava o ex-presidente e ele está morto e, os opositores porque afirmam que isso prejudica a imagem do país no exterior. No entanto, encontrou provas e locais tais como descritos por Soraya.

Sugestão de boa leitura:

Título: O harém de Kadafi.

Autor: Annick Cojean.

Editora: Verus, 2012, 4ª edição,238 pág.