O homem que amava os cachorros

O escritor cubano Leonardo Padura (1955) lançou em 2009 o romance O homem que amava os cachorros. Ao propor a obra, teve diante de si o desafio de alcançar um público acerca de uma trama cujo desenlace é de todos conhecido, de forma que neste artigo, não preciso me preocupar demasiadamente em evitar spoilers, mesmo assim, terei o cuidado de não ser detalhista demais, visando com isso não estragar o prazer da leitura, caso o leitor resolva ler a obra em questão. É importante que se diga que embora o livro de Padura não tenha a intenção de ser rigorosamente um documento histórico, conquanto esteja baseado em fatos reais, trata-se de um romance sobre um dentre outros fatos que certamente mudaram a história do século XX. A obra de Padura trata do assassinato do intelectual marxista e revolucionário bolchevique Leon Trotski em Coyoacán (México) na data de 21 de agosto de 1940.

Leon Trotski, nascido Liev Davidovich Bronstein a sete de novembro de 1879 foi o organizador do Exército Vermelho e um dos líderes da Revolução de Outubro de 1917. Coube a Trotski a organização do Exército Vermelho no qual foi figura central na vitória bolchevique na Guerra Civil Russa (1918-1922) em que as tropas daquele país derrotaram a oposição czarista que inclusive foi auxiliada por potências estrangeiras interventoras. Trotski era muito próximo ao líder da Revolução Bolchevique Vladimir Ilich Ulianov (Lênin), porém, havia entre eles várias discordâncias teóricas e, mesmo práticas quanto aos rumos a serem dados ao país, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que então surgia em 1922. Mesmo assim, sabendo da iminência de sua morte, em 1924, Lênin deixou uma carta em mãos de sua viúva Nadezda Krupskaja (1869-1939), na qual alertava os companheiros do PCUS acerca dos riscos que Joseph Stálin poderia representar aos rumos da revolução socialista e, indicava o nome de Leon Trotski como sugestão para a sua sucessão como Secretário Geral do PCUS, o qual, dizia ele: apesar de seus defeitos, não comprometeria a revolução. Porém, Stalin conseguiu o apoio da maioria do PCUS e, não demorou muito a afastar Trotski do partido e, dessa forma, dos cargos de direção, acabando por confiná-lo na distante e fria Alma-Ata (atual Altana, no Cazaquistão) de onde foi expulso da URSS vindo a se exilar na Turquia, depois na França e na Noruega e, por fim, no México. Mesmo no exílio jamais deixou de fazer oposição à Stálin a quem chamava de o coveiro da revolução, e, também jamais teve paz. Nos países onde se instalava, até por uma campanha difamatória promovida e que tinha como origem Moscou que levava militantes socialistas da corrente stalinista a considerarem-no um traidor da revolução socialista e da URSS. Também militantes anticomunistas pressionavam as autoridades para que Trotski fosse expulso dos poucos países que aceitavam lhe receber em exílio.

O livro de Padura conta em capítulos alternados a história (romanceada), porém, com grande coerência de Iván Cárdenas Maturell, um escritor frustrado que trabalhava como auxiliar de veterinário, nos difíceis anos de crise econômica em Cuba, que se sucederam a desintegração da URSS, cujo peso se somava ao embargo econômico estadunidense até hoje vigente. A obra narra os encontros de Iván com Jaime Lopez que levava seus cães borzois numa praia cubana para se exercitarem. Nestes diálogos em que tal homem que se apresentou como amigo do assassino de Trotski, o espanhol Ramon Mercader Del Rio Hernández (1913-1978) que lutou na Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a forma como se deu o planejamento por outros, do assassinato levado a cabo por este. Vários capítulos tratam da vida de Trotski, especialmente nos países que lhe concederam exílio e outros narram os tortos caminhos que levaram Ramon Mercader a eliminar a existência física de um intelectual que se tivesse sucedido Stálin, certamente não teria cometido muitos de seus erros grotescos, mas, aí tudo fica no campo da especulação e, ao ler o livro, apesar da torcida, não há como haver final diferente daquele que é de todos conhecido: a morte de Trotski com um golpe de picareta de alpinista no crânio. Após perder de forma suspeita (para dizer o mínimo) quase todos os seus amigos e parentes próximos, Liev Davidovich Bronstein, sobrevivente de outros atentados, perdia a vida, mas, sua retirada do plano físico jamais foi acompanhada da sua retirada da história e, da mente de seus seguidores. Sua obra é o legado para os que ousam sonhar uma sociedade com justiça social. Também é impossível não notar o importante papel desempenhado por Natalia Sedova (1882-1962), verdadeiro sustentáculo de Trotski. Aliás, grandes vultos históricos masculinos costumam via de regra ter a companhia e o apoio de grandes mulheres.

Sugestão de boa leitura:

Título: O homem que amava os cachorros.

 Autor: Leonardo Padura.

Editora: Boitempo, 2ª ed., São Paulo, 2019, 590 p.

Preço: R$ 48,24 (capa comum) – R$ 59,96 (capa dura).

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