O país da desfaçatez

Não é tarefa fácil escrever acerca destes tristes trópicos como foi batizado nosso país por Claude Lévi-Strauss, especialmente nestes tempos turbulentos que vivemos. Nos idos de 1970, o General Presidente Emílio Garrastazu Médici (cujo governo foi marcado pela massiva violação aos direitos humanos), acerca do Jornal Nacional da TV Globo disse: Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranquilizante após um dia de trabalho. E enquanto a Rede Globo aperfeiçoou suas habilidades em omitir e manipular as notícias desinformando a população e assim prestando um desserviço à nação e à democracia apesar de sua concessão ser pública, há cidadãos que se prestam ao papel de analfabetos políticos, parte de forma ingênua, parte por gostar de viver numa bolha incolor, inodora e insípida de ilusão televisiva. Costumo dizer aos meus educandos que ao ligar a TV é obrigatório ligar também o cérebro e isso não é diferente com relação a qualquer mídia.

No país da desfaçatez, grande parte da imprensa age como um partido político e redobra seus esforços na manutenção da hegemonia do discurso da Casa Grande, e seus esforços têm sido profícuos. Temos em nosso país uma grande quantidade de trabalhadores assalariados que votam de acordo com os interesses das oligarquias que representam o regime plutocrata e corruptocrata em que vivemos, o qual, obviamente governa e legisla em prejuízo aos interesses imediatos e futuros da parcela de trabalhadores. Na Europa, a classe média tem ojeriza à alta burguesia, pois são cônscios de que a ganância acumulativa destes vai à contramão do desenvolvimento econômico e social, e assim sendo se unem às classes mais populares nas eleições e nas manifestações. No Brasil, a classe alta terceiriza o ódio, e é a classe média que faz manifestações ruidosas para defender os interesses daqueles cujos privilégios jamais compartilharão e que nunca lhes convidarão a sentar-se à suas mesas. Os pobres de direita (classe média) não se sentem injustiçados por isso, o que lhes apavora é ver pobre em aeroporto, utilizando perfume importado, adquirindo automóveis e atravancando as vias públicas, e o horror do horror, pobre se recusando a trabalhar por salário mínimo.

Durante os governos Lula e Dilma ficou evidente quão estúpida e fascista é a nossa elite. Ela não convive bem com a democracia, tanto que operou o seu fim com o golpe de 2016 a guisa de 1964. A classe média novamente apoiou. E isso é algo surreal para os cidadãos esclarecidos dos países desenvolvidos, mas, aqui considerado normal desde Nelson Rodrigues que já havia tipificado como um comportamento vira-latas de parcela dos brasileiros. Os pobres de direita se mantêm calados com a destruição do incipiente projeto de país soberano, herança de Vargas e Lula reduzido à ruínas por Temer (MDB) e asseclas do PSDB/DEM com a clara intenção de posicionar o Brasil na condição de colônia fornecedora de matérias-primas e produtos agrícolas e mão de obra semi-escrava em atendimento aos interesses do grande capital internacional. O saudoso Darcy Ribeiro, que merecia ter sido presidente do Brasil, embora, o Brasil nunca mereceu ter Darcy Ribeiro como presidente, certa vez afirmou: “O Brasil tem uma classe dominante ranzinza, azeda, medíocre, cobiçosa, que não deixa o país ir pra frente!”. Talvez alguns dos leitores pensem que as palavras que digo são mágoas de perdedor, e como resposta deixo outra frase de Darcy Ribeiro: Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu!

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