A casa paterna

Conquistar o diploma universitário, arranjar emprego, sair da casa dos pais. Eis um desenrolar natural do ciclo da vida para aqueles jovens já com alguma renda para bancar a liberdade. Afinal, é o que todos aspiram, certo? Nem sempre. O Brasil é conhecido por alojar uma geração ampla de jovens que esticam quanto podem a permanência na casa dos pais – e a pandemia está estimulando ainda mais esse fenômeno.

São pessoas jovens entre 24 e 34 anos que vai esticando a estada sob o teto da família em nome do conforto e da economia. Esse número cresce impulsionado pela pandemia, que sacudiu o modo de vida das pessoas nos mais variados terrenos. Vendo-se sozinhos na quarentena, com as finanças abatidas pela crise e preocupados com ajudar os pais, eles percorrem o caminho de volta nesses dias estranhos, não raro regressando para o quarto da adolescência, em um movimento delicado que mescla sentimentos como a amparo e tranquilidade, de um lado, a certa frustração com muita incerteza, de outro. 

Baqueado pelo desemprego e com o horizonte profissional nebuloso uma parcela dos que retornam não tem ideia de quanto tempo a situação vai durar. Os jovens são um grupo social mais desprotegido no mercado de trabalho porque, em geral, recebem salários mais baixos, tem pouca experiência e não são contratados com carteira assinada.  “A casa dos pais vira estratégia de sobrevivência”, diz a economista da FGV social.

A inércia contribui para que parte deles alimente o plano de deixar a situação como está: é duro dar adeus a toda sorte de paparicos e à sensação de atracar em porto conhecido. Estão no início da vida profissional e decidem ficar por aqui assim podem poupar e, quem sabe, até viajar mais quando a pandemia passar.

Compartilhando o mesmo território, pais e filhos se debruçam sobre um desafio de alta complexidade: são todos absolutos, cada qual com seus horários e manias sedimentadas. Regras de convívio, portanto, precisam estar muito bem estabelecidas para que as relações não evaporem rapidamente.

Adaptação é palavra-chave nos arranjos que a pandemia estimulou e isso vale para ambas as partes. O mandamento número 1 é não perder a noção do espaço alheio. Para os pais, às vezes é quase instintivo tratar os rebentos marmanjos como eternas crianças, um equívoco em qualquer circunstância – ainda mais nesta. Os filhos, por sua vez, precisam entender, que embora aquele ambiente lhe pareça tão familiar, quem dita os rumos da casa são os digníssimos genitores. Os jovens não podem se comportar como nos tempos de infância. A dinâmica é outra. Apesar da rotina do avesso pelos pais, observa-se em muitos casos uma saudável reaproximação. “Vinha visitar minha família apenas duas vezes por ano. Neste período, estou revivendo as discussões da adolescência, mas, mesmo com a perda de soberania, vê-los bem com meus próprios olhos compensa tudo”, avalia uma estudante de direito, que saiu da cidade onde estudava para sua cidade natal, e por lá vai ficando, com certeza até o fim da pandemia.

 

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