CHEIRO DE AUTORITARISMO

“Na primeira vez em que tentei carregar um obre no carro, eu vomitei por causa do cheiro”. A olfativa declaração do prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN), feita em 2016, derrubou-o da liderança nas pesquisas e quase o levou à derrota na eleição municipal. Sua frase fez lembrar, na época outra afirmação célebre em torno de olfatos sensíveis e gente modesta. Em 1978, um ano antes de subir a rampa do Palácio do Planalto, João Figueiredo (1918-1999), o último general a presidir o Brasil, confessou candidamente: “O cheirinho de cavalo é melhor do que o do povo”. Como a história registrou, Figueiredo era ótimo cavaleiro – e péssimo residente. Curiosos para entender porque alguns políticos, mas não apenas eles, têm essa ojeriza a determinados odores e a democracia, pesquisadores liderados pelo psicólogo Marco Liuzza, da Universidade de Estocolmo, na Suécia, desenvolveram uma investigação ao cabo da qual chegaram a uma conclusão inesperada: as pessoas que sentem repulsa mais intensa ao mau cheiro tendem a ter inclinações ideológicas autoritárias. No trabalho, iniciado em 2013, a equipe compilou uma série de evidências da relação entre repulsa olfativa e certo gosto pela arbitrariedade. De início os cientistas desenvolveram uma escala de “aversão ao ranço corporal”. Para definir esse ranking, realizaram um experimento com 201 voluntários. A eles foram feitas perguntas a cerca do nível de incômodo que sentiam na presença de cheiros desagradáveis, como o chulé de um amigo. A partir dos resultados estabeleceu-se uma escala, que vai de 1 a 5, sendo o nível máximo atribuído àqueles que reagem de forma drástica aos odores ruins. O passo seguinte foi testar se a escala coincidia com as escolhas políticas. Para tal, foram chamados para a experiência 159 voluntários, de formação cultural variada. Aos candidatos, apresentou-se a seguinte afirmação: “Nosso país precisa de um líder poderoso para destruir as correntes radicais e imorais que prevalecem na sociedade”. Não parou aí. Para garantir que não havia falhas, realizou-se uma segunda fase do experimento. Outros 391 americanos foram testados, da mesma forma, durante as eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2016. Descobriu-se que a grande maioria dos que estavam no topo da escala pretendiam votar nele mesmo: Donald Trump, conhecido por suas ideias abusivas e intolerantes. Nenhuma surpresa. “Há uma conexão sólida entre quem fica enjoado e sua tendência a seguir líderes autoritários” afirmou um psicólogo que acompanhou o estudo. Ainda foram convidados mais 83 voluntários para um experimento no qual tinham que avaliar oitenta imagens como agradáveis ou repugnantes. Quando perguntados sobre o que achavam das fotos, que incluíam seres humanos em situação de pobreza (gente que faria Rafael Greca vomitar ou Figueiredo correr para cavalgar), os participantes respondiam com observações educadas na linha do politicamente correto. No entanto, o objetivo não era ouvir o que eles tinham a dizer. Realizaram-se exames no cérebro deles. O que alguns não confessavam foi denunciado por seus neurônios: aqueles que depois revelavam posições autoritárias semelhantes a de pessoas expostas a cenas que produzem asco, como comida estragada, lixo acumulando, imagens terríveis. A evolução dos humanos nos ensina que a repulsa ao mau cheiro pode ter surgido como um mecanismo de sobrevivência, afastando-nos do que podia ser prejudicial. Com o tempo, esse recurso passou a ser usado também como um sistema de rejeição ao próximo. Não por acaso, a propaganda nazista alimentou a abominável ideia de que os judeus seriam parasitas malcheirosos, que disseminariam doenças, tal como os ratos. Na história são muitos os registros de grupos minoritários descritos como contaminantes, dignos de aversão, por líderes autoritários. Novos estudos indicam que parcela da população que sente náusea diante de seus semelhantes menos perfumados, é a mesma que tende a dar poder a líderes políticos que odeiam o outro, odeiam o diferente, odeiam, odeiam….

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