Responsivo

Meu encontro com Deus

Um médico fala do seu encontro com Deus

Depois de uma semana cansativa de trabalho, que aguçou a saudade de casa, o médico João Carlos Resende se emocionou e comoveu internautas ao relatar a consulta com uma paciente de câncer. Dona Socorro chegava ao Hospital do Câncer de Barretos, em São Paulo, ansiosa por uma boa notícia, mas receberia em seguida um novo diagnóstico da doença. A simplicidade da reação da idosa, mesmo decepcionada, tocou profundamente o coração de Resende. Ele publicou o encontro no hospital com aquela mulher franzina, pobre, simples, um sorriso brincando no seu rosto marcado pela visa. Mas Resende precisava avisá-la de que a doença havia voltado e progredido, e ela precisava retomar a cansativa e nauseante medicação. João Carlos Resende Martins é de Campina Grande, Paraíba, e foi morar no interior de São Paulo em 2017, para fazer sua residência médica em oncologia. Sempre gostou de escrever, movido pela leitura e pelo incentivo da mãe que é revisora ortográfica. Muito ligada aos parentes desde criança, ele convive hoje com a solidão. Mas aposta na missão de ajudar na fragilidade dos pacientes com câncer, em um mundo que usa a fragilidade das pessoas para o engano, o golpe. E se apoia em afagos como de Dona Socorro, o que trouxe um sopro de esperança.
Dr. Resende:
Semana curta e cansativa, coração agitado mente num turbilhão. Deus hoje resolver me visitar. Ele tinha um corpo franzino, rosto marcado pelo sol, mãos com sutil aspereza de quem trabalhou pesado a vida toda e um cheiro de lavanda misturado com as cinzas de um fogão de lenha. Ele falava de um jeito bonito e simples, arrastado e vindo lá de Goiás. Vestia a melhor roupa que tinha, colorida, bem cuidada, mas respingada da sopa que lhe serviram antes da consulta. O sapato de algodão listrado não combinava com a blusa florida… Oh, mas com Ele era Deus e podia tudo. Seus olhos fugiam dos meus. Como podia Deus se fazer pequeno assim? Logo lembrei que Ele sabe muito bem fazer isso. Lembrei que Ele foi homem, é pão e será sempre grande, pequeno Deus. Parecia envergonhado, ansioso pela notícia, infelizmente não tão boa. Estava cansado da viagem, da sala de espera lotada e de anos de luta contra o câncer. Diante da grandeza à minha frente, aumentei minha pequenez para que pudesse caber na menor brecha que ousei adentrar naquela vida. A doença mudou, progrediu e voltou a judiar. Aquele remédio que tanto cansava e nauseava aqueles poucos quilos tão frágeis se faria necessário mais uma vez.
– Mas Douto. Não diga isso.
Seu rosto se entristeceu e quanto me doeu ver Deus ser tão gente ali, diante de mim.
– Dona Socorro, não fique triste. O doutor aqui tem coração mole e pode chorar.
Olhou para mim e pude ver o brilho dos olhos sábios dizendo:
– Vou chorar em casa, para o senhor não olhar.
Como pode Deus me visitar assim. Aquilo me engrandecia. Examinei aquele corpo pequeno. Coração forte e barulhento, pulmões que sopraram em mim o sopro da vida e o mais belo sorriso com as cócegas geradas ao palpar seu abdômen. Pensava comigo o quanto eu queria, com minha mão retirar os tumores um a um e ao mesmo tempo para mim era uma visita de Deus. Minha prescrição talvez seria o que menos importava ali, mas assim mesmo a fiz.
– Dona Socorro, vou prescrever aquele remédio chatinho, mas para tentar controlar a doença da senhora.
Humilde ela respondeu:
– É o jeito. O resto pode estar doente e não prestar, mas o meu coração é grande e bom. Doutô.
Já emocionado, pedi um abraço ganhei mais: uma foto, um carinho no rosto e a certeza de que Deus sempre estará comigo e me visitará de diversas formas.
Ironicamente, saiu daquela sala e falou:
– Fica com Deus, Doutô.
– Estive com ele, Dona Socorro, estive com ele!

Deixe um comentário