Responsivo

O MENINO QUE ME OLHA

Contemplo na revista a foto de um menino bem pequeno no colo de sua mãe, que o flagela até tirar sangue (muito sangue) por fanatismo religioso. O menininho olha o fotógrafo -e, portanto, é como se me olhasse, eu do outro lado do mundo sem saber o que lhe dizer. Me vem à mente imediatamente a questão de Deus, dos deuses. Questão inesgotável, por encerrar o sentido desta nossa aflita existência. Da qual a gente não sabe quase nada – o que pode ser bom.

O que Deus, ou deuses, tem a ver com isso? Tem a ver porque a gente imagina que eles conheçam o assunto, o que de alguma forma nos tranqüiliza: ah, ao menos eles… o bom de não sabermos todas as coisas é existir alguém que sabe. O bom de existir alguém que sabe é não sabermos quem ele é.

O melhor de tudo é que, mesmo sem entender, se encostarmos o ouvido na terra, no tronco da árvore, no peito do amado, na cabecinha de uma criança ou no silêncio de uma noite muito escura, a gente vai escutar um rumor. Sem palavras, sem significados. Mas semelhante à arte – querendo tocar o sagrado buscam o essencial, o silêncio, a imobilidade e a ausência de cor. A perfeição, então, seria o nada? Talvez. O fascinante de existir é o não saber, o duvidar, incessantemente. O querer, o buscar, o amar.

A generosidade não é ruidosa. O acolhimento do amor é tranquilo. Mas o ódio também pode ser silencioso. Insidioso, ele se movimenta lentamente por baixo do tapete, espreita anos a fio de trás das cortinas – e, de repente, explode.

De repente, decapitam-se pessoas. E na página da revista, uma mãe flagela sua criança. O espírito de vingança rói o pé de velhos crucifixos nas salas de jantar; povos se aniquilam pelas loucuras de seus governantes; rouba-se dos velhos, dos doentes, dos miseráveis. O centavo que lhes é tirado goteja na conta bancária dos que mereciam castigo mas rodam pelas ruas em carrões blindados. Não andamos muito elegantes, nestes tempos estranhos. Mas andamos muito éticos, nestes tempos loucos. Não que as coisas tenham sido muito melhores no tempo dos gregos, quando na filosófica Atenas mulher era pouco mais do que um animal sem alma, era normal ter escravos e a guerra era o pão nosso. Ou na Idade Média, quando eu no mínimo seria candidata à fogueira, não a da inveja mas a concreta mesmo; nossos filhos teriam morrido nas Cruzadas matando alguém no Oriente (nada de novo na face da Terra). De modo que não sou nada saudosista, mas, talvez porque tudo isso se derrama em minha casa pelos jornais, revistas, TV e computador (por onde também entram e-mails de amigos e visito tantos belos lugares do mundo), começo a me cansar.

Então, procuro dentro de mim um sentido para a situação do menininho coberto de sangue, no colo da mãe fanática e delirante, enquanto ele olha o fotógrafo, olha para mim que, do outro lado do mundo, não sei o que lhe dizer, porque busco, e não encontro, a palavra certa.

Talvez estejamos todos enlouquecendo. Talvez seja melhor não saber o explicação. O bom de não sabermos todas as coisas é existir alguém que sabe. o bom de existir alguém que sabe é não sabermos quem ele é.

(Lya Luft)

Ouro para o bandido

Cerca de 48.000 metros cúbicos de madeira, apreendidos pelo IBAMA na ano de 2004, desapareceram dos pátios de cinco madeireiras autuadas por desmatamento ilegal no Pará. As milhares de toras estavam guardadas nos pátios das próprias empresas multadas. O IBAMA nomeou-as fiéis depositárias por pura falta de dinheiro para retirar a madeira.

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