Para entender melhor as opções – e as distorções – da nossa Lei Maior, convém fazer uma breve viagem no tempo. O objetivo é capturar os ambientes econômico, social e político em que a nossa Constituição foi escrita. Comparado ao Brasil de hoje, aquele de três décadas atrás era visivelmente pobre. Nossa renda per capita correspondia a um quarto da atual. O produto interno bruto representava um sexto do de agora. A safra anual de grãos daquele tempo era um quarto da registrada em 2017. A exportação, um oitavo. Nos últimos trinta anos, a qualidade de vida melhorou significativamente. A fatia da população em situação de extrema pobreza foi bastante reduzida, a taxa de analfabetismo caiu dois terços, a mortalidade infantil três quartos, e a proporção de crianças fora da escola reduziu-se 80%. Em cada grupo de 100 habitantes havia dez carros e nove telefones, todos fixos. Hoje, essa centena de pessoas reúne vinte carros e 112 telefones, entre fixos e celulares. Vivíamos numa bolha, isolados do mundo. Os países mais avançados já dispunham de TV a cabo. Aqui não. No exterior, os carros saíam da fábrica com retrovisor direito, airbag e cinto de três pontas. Aqui não. Computador pessoal de qualidade só tinha quem contrabandeasse, porque a lei de informática proibia. Cartão de crédito internacional? Esqueça. Era proibido. Quem viajava ao exterior era obrigado a levar dinheiro vivo ou cheque de viagem comprado. Além de pobre, o Brasil era estatizado e economicamente desajustado. Tínhamos 268 estatais, o dobro de hoje. Das 500 maiores companhias não financeiras do país oitenta pertenciam ao governo. Quase todos os estados possuíam bancos, quebrados. Entre eles, no Paraná, o Banestado. A inflação anual, uma praga daquele tempo, era noventa vezes superior à atual. Noventa! Em 1987, quando os constituintes se sentaram para começar a trabalhar, o primeiro plano de combate à inflação já havia fracassado, o segundo rumava para a mesma direção. Os salários estavam congelados; os preços monitorados. Os empresários protelavam os investimentos. O governo estava no terceiro ministro da Fazenda, e um quarto seria nomeado dali a poucos meses. A situação era tão ruim que o Palácio do Planalto anunciou a suspensão unilateral, por prado indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa. Com a moratória, o crédito internacional sumiu, o custo da dívida explodiu, e o país mergulhou numa crise que durou anos.
Para completar, o clima político pós-regime militar era de certa forma inquietante. Em 1987, completavam-se 27 anos da última eleição direta para presidente, ocorrida em 1960, três anos da derrota de uma emenda constitucional que pretendia restabelecer a eleição direta, e dois anos da morte de Tancredo Neves, eleito pelo extinto Colégio Eleitoral. Pela sexta vez na história, a Presidência da República seria exercida por um vice, a primeira por toda a extensão do mandato do titular. Embora já não comandassem mais o país, os generais acompanhavam com atenção o trabalho dos constituintes. E, em algumas ocasiões, fizeram seu lobby. Por exemplo, para impedir o fim do Serviço Nacional de Informações, surgido em 1964 que seria extinto no governo Collor, ou para adiar a criação do Ministério da Defesa, mantendo as pastas militares divididas por armas. A fusão só ocorreu no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Os constituintes prometeram uma Carta que protegesse a sociedade do Estado, proporcionasse o bem estar de todos e servisse de base ao crescimento do país. Acabaram entregando uma peça que, infelizmente patrocinou o crescimento do Estado e fortaleceu o bem estar das corporações.