Por Valéria Caimi – mestre em Letras, professora da rede estadual, poetisa, contista e cronista.
As janelas têm olhares e são a nossa ligação com o outro nos últimos tempos.
Em tempos de isolamento, abrimos as janelas com alegria. A necessidade de olhar para fora nos impulsiona, a cada novo dia.
Passamos a prestar mais atenção no raio do sol que entra e nos desperta, na gota de chuva que escorre pela vidraça, no vento que assovia na janela. Percebemos, com mais frequência, que a vidraça está suja, pelos dedos açucarados dos pequenos!
Podemos também falar de outras janelas como as virtuais. Mesmos como suas telas frias e estáticas, elas aquecem o coração e abrem as janelas da alma, ao possibilitar-nos o encontro com quem amamos e, nesse momento, não podemos manter a proximidade.
As cenas vistas das janelas, ou vividas nas janelas foram capazes causar-nos um reboliço interior:
Como não se emocionar com a cena do jovem palestino fotografado na janela de alta de um hospital, olhando, pela vidraça, e guardando na memória e na alma o último olhar de sua avó?
Como não acreditar na humanidade depois da iniciativa da médica italiana em abrir a “janela virtual” para que a avó pudesse despedir-se da sua neta?
Como não crer, depois que vimos pela TV, ou pelo celular o andar solitário, mas convicto do Papa Francisco, na Praça São Pedro? Ou ainda, quando esse mesmo homem, mesmo sabem que a Praça estaria vazia, não deixava de abrir a janela e dar a sua benção?
Pelas janelas e sacadas (que nada mais é que uma janela um pouco maior) deram-se aplausos silenciosos, show e cantos solitários, paqueras, pedidos de namoro e outras janelas curiosas acompanharam o fim de relacionamentos! Das janelas vimos também a imbecilidade humana em protesto fora de hora e a corrida contra o tempo em busca da cura.
Abrimos e fechamos janelas numa intensidade absurda, nesses últimos seis meses. Debruçamo-nos sobre o parapeito e ficamos a observar o mundo exterior que parece suspenso, ou passar em câmera lenta! Mas, só nós sabemos, como nosso mundo interior anda apressado!
A vida adquiriu uma nova moldura que nos possibilita ver sempre a mesma paisagem, que pouco a pouco parece perder a cor e o nosso mundo tornou-se cinzento. Porém, talvez, pela primeira vez fomos até a janela. Na correria em que vivíamos, certamente só conhecíamos portas, escada e elevadores. As janelas não são para os ocupados ou apressados. Elas são para os contemplativos.
Abramos as janelas! Deixemos o vento entrar, mesmo que ele traga a poeira! A estação é das flores! Não percamos o espetáculo da vida que renasce depois de um longo inverno! E que, ao final da primavera, possamos dizer como Cecília Meireles: “Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira!”
*Hoje abro essa pequena janela, para nos encontrar e que possamos partilhar nossas histórias, para que nosso cotidiano seja mais leve. Gratidão!