Valéria Caimi – mestre em Letras, professora da rede estadual, poetisa, contista e cronista.
“Então é Natal e o que você fez?” Esse questionamento, parte de uma bela canção, nesses tempos midiáticos, tem tornado-se memes e piadas, com as mais variadas respostas: “comi”; “engordei”, “me endividei”, “eu tô liso outra vez”, “só reclamei”… Alguns memes demonstram uma revolta grande quando surge essa pergunta. Especialmente neste ano atípico, uma das respostas possíveis é: “sobrevivi”! Sei que sobrevivi não rima com fez, mas muitos dirão que é a resposta mais adequada às esses tempos.
Não discordo, mas também não concordo. Há controvérsias! Acredito que esse ano exigiu de nós muito mais que sobreviver! Conhecemos a fundo o significado da palavra viver. Nunca lutamos tanto para viver! Nunca dedicamo-nos tanto em viver! Para viver esvaziamos ruas, shopping, escolas! Para viver cobrimos o rosto, não nos abraçamos, deixamos de visitar àqueles que mais amamos. Tudo isso para viver! Porque queremos viver!
Mas voltando à pergunta inicial: “Então é Natal e o que você fez?” Já provei que vivemos mais que sobrevivemos. Mas será que é necessário fazer alguma coisa? Que me desculpe o autor da canção, mas gostaria de mudar um pouquinho a pergunta: Então é Natal e o que você foi? É? Ou será?
A Revolução Industrial e a sociedade capitalista transformaram o mundo e as relações de produção, trabalho e consumo. Fazer, confeccionar, produzir tornou-se regra, obrigação, necessidade. Pouco a pouco, mergulhamos e, sutilmente, afogamo-nos na urgência de estar sempre fazendo. Seja o que for. Acreditamos que não podemos viver o ócio. Sentimo-nos culpados senão estivermos fazendo, fazendo, fazendo…
Esse ano veio para frear tudo isso. Por instantes, dias, meses precisamos parar de fazer! Com isso, muitos de nós, pela primeira vez após anos, olhamo-nos no espelho e, talvez, nem tenhamos nos reconhecido mais! Depois desse impacto inicial, questionamo-nos: e agora, o que faço? A melhor resposta seria: não faça, seja!
Ainda estamos longe do modelo ideal de ser humano necessário para a sobrevivência da espécie humana e do próprio planeta. No entanto, se pelo menos, formos melhores conosco, com os outros e com a natureza, não precisaremos fazer tanto! Só o necessário para vivermos realmente! Ser é ser! Não é buscar a felicidade em coisas passageiras, que pode desaparecer em questão de segundos, basta que surja um vírus aparentemente insignificante à nossa ignorância!
Ser é ser! Não é realizar as coisas no automático, como almoçar rápido para retornar ao trabalho, sem ao menos sentir o sabor da comida! Ser é estar presente, no momento presente com total consciência da própria presença!
Porém se mesmo assim alguém insistir com a pergunta: “Então é Natal e o que você fez?” Relate todos os lanches extras feito para as crianças, nessa pandemia (criança em casa é uma maquininha de comer). Conte sobre suas doações e ajudas às pessoas que necessitaram de uma mão amiga, nesses tempos. Mencione as mensagens enviadas aos amigos novos e antigos, as músicas cantadas no chuveiro, às palavras de consolo ditas às pessoas queridas. Testemunhe o seu amor incondicional, que não permitiu que abraçasse, quando o que mais precisava era um abraço. Fale das mudanças internas que realizou em 2020 e de tudo aquilo que você fez para ser um ser humano melhor!
Caso você ainda não tinha pensado sobre isso, coloque seu sapatinho na janela e espere o presente, depois se debruce sobre a sua janela, na noite de Natal, olhe para o céu e deixe-se guiar pela estrela de Belém. Assim como fizeram os reis magos, você também tem presentes a oferecer! Mas o maior presente que pode dar a si e aos outros é ser! Seja, somente seja!