Dona Quitéria queria casar-se, porém estava difícil encontrar um bom partido. Já tinha sondando as redondezas, as vizinhanças, os viúvos e os solteiros da igreja e também dos bailes. No entanto, ela era exigente, não gostava de gordinho, não que fosse preconceituosa, não era isso! Apenas prezava por um corpo mais enxuto. Nem precisa ser bonito, mas tinha que ser ajeitado, como costumava dizer e, principalmente, mais jovem. “De velha já bastava ela!” costumava brincar, soltando uma imensa gargalhada.
Tinha viuvado fazia exato seis meses. Sua meia dúzia de filhos e suas duas dúzias de netos e bisnetos não eram impedimento para desejar amar e ser feliz, talvez, como nunca fora antes.
Alguns familiares torciam o nariz para essa sua vontade. A mais indignada era a primogênita Adelaide: “Como minha mãe, nessa idade, queria casar-se novamente? Estava na hora de interditá-la de vez! Mamãe quer ser uma adolescente! Que absurdo!”
Dona Quitéria era uma octogenária, que já tinha adquirido inúmeras experiências da vida e pouco se importava com a opinião alheia. Sabia bem, a quem deveria se aliar e a quem deveria dar ouvidos. Um desses seus aliados era Policarpo, seu genro preferido. Não o escolhido, porque era o melhor, mas sim, por ser o mais dócil, incapaz de lhe dizer não. Sabendo disso, Quitéria que não era boba nem nada, costuma abusar: “Policarpo, preciso ir receber o aposento!” “Policarpo, me leva na comadre Gertrudes!” “Policarpo, precisa limpar a horta!” Policarpo daqui, Policarpo dali. Não existia relação mais recíproca que a de ambos. Entretanto, todo o abuso era recompensado pelas gorjetas e pelo carro sempre com o tanque cheio.
Um dia intimou Policarpo para levá-la visitar seu Euripes, que era um sessentão, viúvo há anos e amigo de longa data de Policarpo e de toda a família. O genro estranhou aquele pedido, todavia se negar iria colocá-lo numa situação difícil, pois a viagem lhe renderia algum trocado e um tanque de combustível cheio e, nesse preço que está a gasolina, não custava nada atender ao pedido da mãe de coração, como costumava se dizer, principalmente, quando a família toda estava reunida. Adora demonstrar que dentre os quatros genros e uma nora ele era o que detinha o cargo mais elevado.
No entanto, esse pedido era demais para a cabeça dele. Iria arranjar um encrenca enorme com a esposa, que não aprovaria nunquinha essa visitinha! Adelaide em nada admitia a ideia da mãe querer arranjar um marido novamente. O que será que sua sogra estava ideiando? Queria muito perguntar, porém não tinha coragem suficiente para isso, pois já suspeitava que o coração dela estava batendo mais forte, apesar da idade.
Apesar de não dizer nada sobre o seu desejo de arranjar um marido, achava isso totalmente desnecessário, pois ele estava ali para levá-la e trazê-la de onde quisesse e essa história de amor era bobagem. Se aparecesse outro homem bom na vida da velha, perderia o lugar de destaque que ocupava. Sentiu-se ameaçado e resolveu partilhar sua dor com a esposa. Certamente ela seria uma aliada na desmotivação das intenções da sogra.
_Sabe Adelaide, sua mãe me pediu para levá-la visitar seu Euripes?
Adelaide arregalou ainda mais seus olhos azuis, lendo os pensamentos do marido e, consequentemente, as reais intenções de sua mãe.
_Nem pensar! Minha mãe perdeu o juízo de vez e agora quer perder a vergonha na cara mesmo! Querer ir atrás de velho! Só o que faltava!
_Pois é!
_Só vai fazer isso por cima do meu cadáver! Vou falar com ela, agora! _E saiu em disparada para a casa da mãe.
Chegando lá não encontrou ninguém. Ficou desesperada e mandou uma mensagem pelo whatsApp para a mãe. Onde estaria ela?
Logo recebeu uma resposta em forma de selfie. Dona Quitéria e seu Policarpo estavam na imagem desfocada.
imediatamente respondeu, em forma de áudio: “Mãe, o que você está fazendo aí?” Como consegui ir!”
Logo a notificação sonora do celular fez sua coluna sentir um arrepio. Clicou no áudio e ouviu: “Minha filha, já ouviu falar em táxi? O monte do seu marido tava demorando demais e eu não tenho tempo a perder!”
Ficou estática, ouvindo inúmeras vezes aquela resposta tão ousada. Não conseguia acreditar.