Tem um intruso à mesa

Num café da manhã de um  domingo em que é possível saborear essa refeição e jogar conversa fora com os familiares, entre algumas mordidas e goles de café conversávamos festivos sobre os mais variados e interrompidos assuntos. Ora iniciava-se uma conversa que era interrompida por um “passa o pão”, “dá um pedaço de bolo…” parei para refletir sobre o  momento de estar à mesa.

É na mesa que muitos encontros se dão, que amizades e amores se iniciam, que as mãos se tocam e as pernas se roçam.  Mas para a maioria de nós a mesa é um lugar sagrado. Essa simbologia fortalece-se pela visão cristã que temos de Jesus e seus discípulos no momento da partilha do pão.

As melhores e as mais sinceras conversas ocorrem ao redor da mesa, nos momentos de refeição. Não consigo precisar qual magia há nesses encontros famintos, porém é possível sentir o poder das palavras ditas neles. Parece que esses momentos estão protegidos do véu da mentira, aparentemente não há possibilidade de escondermos nada ao redor de uma mesa farta, ou vazia. Lágrimas, sorrisos, tudo parece ser depositado juntamente com o pão que partilhamos, ou  que não temos.

Algumas verdades que nos faltam coragem de dizer em outros momento são servidas à mesa como um saboroso prato regado de gargalhadas e brindado com  um bom vinho, que nos encoraja nesse movimento de digerir o dissabor de sabermos verdades a nosso respeito!

Não convidamos, ou não deveríamos convidar, para saborear refeições conosco, àqueles que não temos grau de intimidade. Certo que há algumas exceções, mas via de regra não é assim. Estar com aqueles que amamos ao redor de uma mesa nos possibilita sermos nós mesmos e até ter a liberdade de pegar um ossinho de galinha e roer as cartilagens sem pudor algum, mesmo sobre os olhares e o balanço das cabeças em sinal de desaprovação. Dane-se!

É ao redor da  nossa mesa que repetimos incansavelmente para as crianças as lições de como se comportar nas mesas alheias. Lições estas que repetidas em doses homeopáticas no café da manhã, almoço e jantar e, muitas vezes, até no lanche da tarde,  mas que parecem não entrar nessas mentes infantis e desafiadoras: “Não mastigue de boca aberta, é feio!”; “Não fale de boca cheia!”; “Não precisa gritar, tô aqui bem pertinho!”; “Você cuspiu no seu irmão!”; “Espere sua vez!”.

Entretanto, nos últimos tempos, não são somente os desafios do bom comportamento ao redor da mesa que perturbam e tentam roubar a sacralidade da  partilha do pão nosso de cada dia.  Há  uma disputa de atenção entre  um intruso que se coloca entre nós e aqueles que sentam-se à mesa conosco. Trouxemos para a mesa mais um membro da família, que disputa o espaço junto com os pratos e talheres e é capaz de roubar a atenção por completo, sem que ao menos percebamos que existem amores que nos rodeiam em cada refeição. Já  considero superada a fase dos olhos vidrados na tv, enquanto bocas absortas mastigavam sem sentir o gosto. O inimigo é menor e desligá-lo (como fazíamos com a televisão) causa crise de ansiedade e um colapso familiar, que não estamos dispostos a vivenciar.

Quando esse novo membro ganha o espaço nas mesas, as bocas, muitas vezes, mastigam raivosas alimentadas pelo ódio espalhado nas redes sociais. Não conseguimos manter o foco no prato de macarronada, nossos olhos sequer se olham, pois querem olhar a tela a todo instante em movimentos rápidos na busca das curtidas e dos comentários que alimentam o ego. Os fones impedem de ouvir o que é dito pelos interlocutores reais e as mão  ficam divididas, pois a cada garfada recebe-se uma notificação o que faz com que o conselho de mastigar bem os alimentos vá para o espaço.

Cafés da manhã festivo como aquele que tive recentemente são raros! Porque rara é a vida que se vive de verdade ao redor de uma mesa!