Laranjeiras figura entre os municípios com mais casos de violência doméstica no Paraná
“A luta de uma é a luta de todas”, disse a vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada, Thayna Coradeli. “Informação, acolhimento e apoio jurídico são fundamentais”
A violência contra a mulher é uma realidade que se impõe não apenas nas estatísticas, mas no cotidiano de milhares de brasileiras. Em Laranjeiras do Sul, os números refletem essa dura realidade: o município figura entre os que mais registram casos de violência doméstica no Paraná. Diante desse cenário, o Agosto Lilás surge como um chamado à ação, à escuta e à conscientização.
Criado para marcar o mês da sanção da Lei Maria da Penha — em 7 de agosto de 2006 — o Agosto Lilás é mais do que uma campanha: é um grito por dignidade, respeito e igualdade. E para ecoar esse grito, a Comissão da Mulher Advogada da OAB de Laranjeiras do Sul tem se destacado em ações que buscam romper o ciclo da violência e oferecer suporte às vítimas.
A advogada Thayna Almeida Coradeli, vice-presidente da comissão, explica que a atuação do grupo vai muito além da defesa da mulher dentro da advocacia. “Nosso compromisso é com todas as mulheres da sociedade. Queremos levar informação, acolher vítimas, conscientizar a população e ser um canal de apoio”, afirma. Thayna é especialista em processo penal e na Lei Maria da Penha. Sua escolha pela carreira jurídica foi motivada por um caso de feminicídio que chocou o país: o assassinato de Eloá Pimentel, em 2008. “Foi ali que percebi que queria lutar por mulheres como ela”.
A importância da lei — e sua aplicação
A Lei Maria da Penha é considerada um marco histórico no combate à violência de gênero. No entanto, como pontua Thayna, a lei demorou 23 anos para ser sancionada após a agressão sofrida por Maria da Penha Maia Fernandes, e só se concretizou após pressão de órgãos internacionais. “Hoje a lei existe, mas ainda precisa ser efetivada. Muitas mulheres enfrentam resistência desde o primeiro atendimento. Algumas mulheres não se sentem acolhidas nas delegacias, enquanto outras enfrentam comportamentos inadequados por parte de quem deveria garantir sua proteção. Isso contribui para que muitas desistam de seguir com a denúncia. Ainda há necessidade de mais preparo e empatia por parte dos profissionais que atuam diretamente com essas vítimas”, observa a advogada.
Tipos de violência
Grande parte das vítimas sequer reconhece que estão em um relacionamento abusivo. Isso porque muitas vezes a violência não deixa marcas visíveis. “A violência física é o estágio final. Antes disso, vem o controle, a violência psicológica, a patrimonial, a moral”, explica Thayna.Casos emblemáticos ilustram esse cenário. Um deles, recente, é o da jovem que levou 61 socos do namorado em um elevador — e cuja primeira agressão foi destruir o celular dela. “Isso é violência patrimonial. A destruição de bens da vítima também é um tipo de agressão”, pontua.Outro caso citado envolveu uma aluna universitária que, mesmo agredida e ameaçada, recuou da separação por medo. “Ela pediu para cancelar os papéis de separação uma semana depois de denunciá-lo. Foi julgada por isso, mas a gente precisa entender que o medo paralisa. O apoio deve vir antes do julgamento”, reforça Thayna.
Ciclos e consequências
A violência doméstica, alerta a advogada, não afeta apenas a mulher. “Crianças que presenciam agressões crescem com traumas profundos. Desenvolvem ansiedade, pânico, problemas físicos. Quando uma mulher rompe com esse ciclo, ela também salva seus filhos”, destaca.Ela relata o caso de um menino que disse preferir que os pais se separassem, e de outro que afirmou que a morte do pai seria um alívio para a família. “É duro ouvir isso, mas é a realidade de muitas casas onde o agressor se sente dono da mulher e dos filhos”, lamenta.
Informação como ferramenta de libertação
Uma das principais frentes da Comissão da Mulher Advogada é a disseminação de informação. Em parceria com a secretaria de Assistência Social de Laranjeiras do Sul, a comissão participa de caminhadas, ações e estuda novos projetos, como atendimentos jurídicos gratuitos e palestras em escolas e universidades.“A gente precisa falar com meninas antes que entrem em relacionamentos abusivos. A prevenção começa cedo. Precisamos ensinar que respeito é inegociável, que controle não é amor, que ciúme não é prova de cuidado”, afirma.Nas palavras da vice-presidente, o papel da comissão não é apenas jurídico, mas social. “Mais do que exercer a profissão, queremos salvar vidas. Se uma mulher ouvir nossa mensagem e tiver coragem de sair de um relacionamento abusivo, nosso trabalho já valeu a pena.”
Onde buscar ajuda
Thayna reforça que existem canais disponíveis para mulheres que precisam de apoio. O Disque 180, em âmbito nacional, e o Disque 181, no Paraná, funcionam 24 horas por dia, oferecendo atendimento sigiloso e orientação.Além disso, a mulher pode buscar a Assistência Social, o Fórum da comarca para solicitar um advogado dativo (gratuito), ou diretamente a Comissão da Mulher Advogada, que conta com profissionais preparadas para prestar apoio e esclarecer dúvidas.
Submissão não é obediência cega
A advogada também destaca a necessidade de reinterpretar discursos religiosos distorcidos. “Falam muito que a mulher deve ser submissa, mas esquecem que a Bíblia também diz que o homem deve amar a mulher como Cristo amou a igreja. E Cristo morreu por amor. Isso não é mandonismo, é proteção, respeito e cuidado”.
Um chamado coletivo
“Enquanto uma mulher for violentada, todas nós estaremos sendo. A luta de uma é a luta de todas. Precisamos parar de nos omitir, parar de achar que não é problema nosso. Precisamos dar a cara a tapa, denunciar, acolher, orientar. A mudança só virá com ação concreta, não só com postagens de indignação nas redes sociais”, finaliza Thayna.Neste Agosto Lilás, o recado é claro: o silêncio não protege. A informação, sim. A denúncia, sim. A rede de apoio, sim. E juntas, mulheres e sociedade, podem romper o ciclo da violência.