Oito histórias revelam como o Natal é sentido hoje
Jornal Correio do Povo mergulha em visões diferentes sobre fé, amor e recomeço no cotidiano, à luz do nascimento de Jesus
O Natal costuma ser associado a encontros, celebrações e rituais coletivos. Mas, longe dos grandes eventos, a data também se revela em experiências íntimas, silenciosas e, muitas vezes, atravessadas por desafios. Neste especial, o jornal Correio do Povo do Paraná ouviu pessoas de diferentes idades, histórias e contextos da Cantuquiriguaçu para compreender como o Natal é vivido hoje e de que forma a figura de Jesus permanece presente no cotidiano, para além dos símbolos tradicionais.
Os relatos revelam percepções distintas, mas conectadas por valores comuns, como fé, cuidado, solidariedade e esperança.
Maria Gomes de O. Ferreira
A simplicidade como ponto de partida
Avó cuidadora, María Gomes de Oliveira Ferreira associa o Natal à vivência cotidiana dos valores cristãos. Para ela, o nascimento de Jesus não pertence apenas ao passado, mas se atualiza na forma como as pessoas se relacionam hoje.
“Nós vivemos um tempo de advento, a segunda vinda de Jesus Cristo no amor, na paz, na compreensão e no perdão com o próximo”
Marlene Teresinha Silva
O silêncio e a companhia ao longo do tempo
A experiência do Natal também passa pelo silêncio. Aos 78 anos, Marlene Teresinha Silva, moradora da Casa de Repouso São Francisco Xavier de Laranjeiras do Sul, relata que aprendeu a lidar com a própria companhia, mesmo reconhecendo a dificuldade enfrentada por quem passa a data sem a presença da família.
“O Natal é um tempo que faz a gente sentir ainda mais a presença ou a ausência da família. A falta da presença da família é muito difícil, mas, graças a Deus, não para mim, porque a minha família vem me visitar. Aqui há muitas pessoas que não recebem visitas, e isso é muito triste para elas.
O silêncio, para mim, faz bem. É ficar um pouco quieta, não falar muito. Também fico tranquila porque aqui temos o apoio dos cuidadores e da diretoria. Somos muito bem tratados, com atendimento 24 horas, algo que não existe em qualquer lugar. Por isso, só tenho a agradecer, tanto pelo cuidado que recebemos quanto pela presença das pessoas que vêm nos visitar.
E para quem não tem família por perto, o Natal aqui acaba criando outra forma de presença. A gente faz companhia um para o outro. Eu peço muito a Deus que nos proteja, porque esta casa de repouso é muito boa. Aqui tem cuidado, tem presença, tem companhia, e isso também é Natal.”
Alan Carletto
Dúvida, perdão e consciência
Entre os mais jovens, o Natal também provoca questionamentos internos. Alan Carletto afirma que, se pudesse encontrar Jesus hoje, buscaria antes o perdão do que respostas.
“O Natal, para mim, é um tempo de reflexão sincera, de olhar para dentro e reconhecer quem a gente é de verdade, sem máscaras. É quando a mensagem do nascimento de Jesus nos convida a pensar sobre nossas escolhas e sobre o caminho que temos seguido.
Se eu tivesse a oportunidade de falar com Ele hoje, eu tentaria conversar. E, se conseguisse, não pediria para saber o que devo fazer, porque muitas vezes eu já sei, apenas escolho não fazer. Talvez porque não seja fácil, talvez porque eu tenha dúvidas, ou porque, naquele momento, o caminho contrário pareça mais prazeroso. Acho que eu pediria perdão, porque mesmo sabendo de toda a sua glória, ainda me entrego ao pecado, porque sou fraco.
O Natal me lembra exatamente isso. Que reconhecer a própria fragilidade também faz parte da fé e que o nascimento de Jesus é, acima de tudo, um convite ao arrependimento, ao recomeço e à tentativa diária de ser melhor.”
Marcela Biella
Gestos cotidianos que revelam presença
A estudante Marcela Biella vê o Natal refletido nas atitudes diárias. Para ela, a figura de Jesus se manifesta no cuidado e na solidariedade; e destaca que essa presença ultrapassa espaços e datas específicas.
“No Natal, mais do que uma data marcada por celebrações, eu vejo um convite à prática diária do cuidado e da empatia. Vejo Jesus hoje no cuidado com o outro, na justiça e na solidariedade, presente nos gestos simples do dia a dia: em quem acolhe sem julgar, reparte o que tem, escuta quem sofre, defende os esquecidos e escolhe o amor e o perdão mesmo quando é difícil.
Se parar para pensar, é justamente nesse tempo de Natal que fica mais claro que Jesus está em todo lugar.”
Amanda Michalovski
A força que nasce do amor
Mãe solo, Amanda Michalovski relata que a maternidade e a fé sustentam sua rotina. Segundo ela, mesmo quando o cansaço pesa, há algo que renova as forças. E acresenta que a fé lhe lembra diariamente que não está sozinha.
“Neste Natal, entre luzes e celebrações, lembramos que a data é também um momento de refletir sobre o amor e a esperança que nos sustentam ao longo do ano.
Mesmo em meio aos desafios de criar um filho sozinha, o que me mantém firme todos os dias é Deus e o amor que Ele me confiou através da maternidade. Ser mãe é um presente sagrado, e é na rotina simples, nos abraços e principalmente ao ouvir um ‘eu te amo’ do João, que minhas forças se renovam. Nos dias em que o cansaço parece maior que a esperança, é a fé que me sustenta e me lembra que não estou sozinha. Deus me dá coragem para continuar, me fortalece nas dificuldades e me mostra que todo esforço vale a pena quando é feito por amor. Cada dia é uma prova de que Ele cuida de nós.
É nesse espírito de fé, amor e cuidado que o Natal se torna mais do que uma celebração: é um lembrete de que, mesmo diante das dificuldades, a esperança e o amor renovam nossas forças para seguir adiante.”
Ligia Marra
Esperança nas pequenas coisas
Para Ligia Marra, nail designer, a trajetória de Jesus funciona como referência nos momentos de dificuldade. A esperança, segundo ela, aparece em detalhes muitas vezes ignorados.
“Para mim, o Natal sempre foi um momento de reflexão sobre o cuidado com o próximo e sobre os pequenos gestos que fazem a diferença na vida das pessoas. Jesus me motiva porque a minha maior inspiração é ser a imagem e semelhança dele. Afinal de contas, ele nos fez à imagem e semelhança dele. E quando eu me canso, eu me lembro que ele falou que no mundo nós vai ter a aflição, mas ele tá com a gente, então isso me sustenta.
Gestos simples sempre dão esperança. Ver o amor e o cuidado nas pequenas coisas. E perceber que a gente não precisa de grandes obras para mostrar o amor! As pessoas não fazem questão de enxergar, pois o mundo está turbulento, e com isso as pessoas não conseguem perceber os pequenos detalhes, tudo fica despercebido. Mas ver o amor nas coisas simples me aquece o coração.”
Elias Duarte
Recomeçar todos os dias
Pai solo por muitos anos, hoje com uma nova família constituída, Elias Duarte resume sua experiência de forma direta. Para ele, o Natal reforça valores essenciais.
“O Natal sempre me faz refletir sobre a importância da família e do amor ao próximo. Em relação à minha missão de vida, eu vejo Jesus em todas as coisas que faço, e ele me ensina valiosas lições de união familiar e de espalhar o amor de Cristo em nossas vidas. Mesmo quando me sinto cansado, é a família que me faz continuar. O Natal é fácil para mim, porque me lembra do grande preço que Jesus pagou na cruz e me inspira a viver com mais fé e dedicação. Um gesto simples que ainda me dá esperança é saber que podemos ter um recomeço todo dia. Se Jesus passasse por aqui hoje, certamente estaria lá em casa, compartilhando momentos conosco e nos lembrando da importância de praticar o amor e a solidariedade.”
Mary Kwapis
Fé que resiste à perda
O Natal ganha um significado ainda mais profundo na fala de Mary Kwapis, mãe Julia Kwapis que perdeu a vida durante a passagem do tornado em Rio Bonito do Iguaçu no ultimo dia 7 novembro. Ela relata que encontrou forças na fé após a perda da filha. Ao refletir sobre a possibilidade de encontrar Jesus hoje, ela afirma que o gesto seria de gratidão.
“Após a perda da minha filha, fiquei perdida, sem rumo e sem perspectiva. Foi através de Deus que busquei forças para continuar. Eu sabia que só conseguiria suportar essa dor com oração, refletindo sobre os momentos que vivemos juntas e sobre as memórias que construímos. Também me senti acolhida pelo apoio espiritual e pela presença dos amigos. Tudo isso me ajudou a seguir, acreditando e confiando em Deus, como sempre fiz.
Ao longo da vida, muitas vezes tive vontade de desistir, e o Natal nem sempre foi fácil. Mas, em todas essas fases, Deus se fez ainda mais presente. A trajetória de Jesus me ensina diariamente que é preciso continuar mesmo quando estamos cansados, por meio da fé e da perseverança. Acredito que tudo tem um propósito. Ainda não compreendo qual é, especialmente com a partida da minha filha, mas creio que Deus vai se manifestar mais uma vez e, no tempo certo, vou entender.
O que ainda me dá esperança é poder compartilhar as lembranças e o amor que vivenciamos. Acredito que o corpo da minha filha perdeu a vida, mas sua presença espiritual e o amor permanecem. O nosso amor jamais deixará de existir.
Se Jesus passasse por aqui hoje e se sentasse ao meu lado, além do abraço que tanto preciso, eu agradeceria. Agradeceria por ter sido mãe do Pedro Henrique (in memoriam), da Geovana, e da Julia (in memoriam). Agradeceria por tudo o que Ele fez por mim, porque todas as vezes que recorri, minhas orações foram atendidas. Eu oraria com Ele, pediria acolhimento nos momentos de dor, sofrimento e angústia e força para enfrentar as dificuldades. O Natal, para mim, é isso: confiar, mesmo na dor, que Deus continua presente e que a paz pode, aos poucos, voltar ao coração.”
Um Natal que se constrói no cotidiano
Os relatos reunidos mostram que o Natal vai além de uma celebração marcada no calendário. Ele se constrói nas escolhas diárias, no silêncio, na fé, no cuidado e na capacidade de continuar mesmo quando a caminhada se torna difícil. Ao dar espaço a vozes comuns, este especial revela um Natal vivido de forma concreta, onde a mensagem de Jesus se manifesta menos nos discursos e mais nas atitudes que atravessam o cotidiano.



