NÓS O TÍNHAMOS COMO UM SÁBIO

O que se aprende na escola da vida pode ser observado na sabedoria dos mais velhos que nos surpreendem com a experiência obtida nos muitos erros e acertos dos quais foram protagonistas ou testemunhas ao longo dos anos. Na fazenda onde viveu a minha família nos Campos de Palmas tínhamos um grande galpão próximo a casa e nele guardávamos ferramentas, os arreios dos cavalos e mais um sem fim de cacarecos. Um dia apareceram pedindo guarida Nhô Propício Almeida, a esposa, uma índia guarani que conhecíamos como Nhá Nena e o neto Antônio. Improvisaram um fogão de lenha, algumas camas e ocuparam a metade do nosso galpão. Nhô Propício começou a trabalhar conosco e mesmo com 77 anos de idade ainda manejava o machado ou as ferramentas de partir madeira com certo vigor. Havíamos assumido a empreitada de fechar 20 alqueires para o pessoal da fazenda plantar milho e feijão. O serviço consistia também de tirar palanques de imbúia e lascas de pinheiro. Nhô Almeida examinava a árvore ainda em pé, indicava a boa de partir e nunca errava. Com os manos e um primo gostávamos de ouvi-lo ao redor do fogo do galpão e ele nos ensinava: Nunca tratem os cachorros com brutalidade, assim eles não serão agressivos. Aconselhou-nos a passar a mão na cabeça do cavalo gavião (arisco), falar calmamente e jamais gritar com o animal e depois ver o bicho vir ao nosso encontro quando íamos buscá-lo no potreiro. Ensinou-nos a aparar os cascos dos cavalos e untá-los com sebo aquecido para evitar as rachaduras que maltratam o animal. Nunca tirem o baixeiro do lombo do cavalo suado, deixem pelo menos uns 15 minutos. Evita que o animal contraia garrotilho. Como tratávamos Nhô Almeida com respeito também éramos por ele paparicados quando nos contava causos engraçados nos quais imprimia certo exagero. Um dia veio visitá-los o genro Daniel, e trouxe consigo uns três guaipecas que se misturaram aos nossos cinco e mais dois da família Almeida. Foi aquela cheiração de trazeiros e o primo José Carlos querendo pregar uma peça indagou do velho o porquê daquele costume. Nhô Almeida estufou o peito e como era pândego inventou uma das suas: Dizem que lá pelo começo do mundo houve um baile para a bicharada e os cães para poderem entrar tinham que deixar o c… (fiofó) num balaio colocado atrás da porta. Lá pelas tantas estourou tremenda briga e naquela correria os cachorros pegaram os fiofós trocados. É por isso que até hoje eles cheiram-se uns aos outros para encontrarem o fiofó original. Demos boas risadas pelo causo inventado por Nhô Almeida que tinha resposta para tudo. Para nós, que saíamos da adolescência ele foi um sábio e hoje quando já estamos apelando para a geriatria resta à saudade.  

       

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