Feriado de Tiradentes e a necessidades de heróis nacionais

Depois de vários feriados, pausas para rememoração dos ciclos da natureza, da agricultura e com funções religiosas, o feriado de Tiradentes evoca memórias de um marco nacional, ou seja, da nossa construção enquanto país e mais propriamente, uma nação. Formadas de acordo com interesses econômicos e consequentemente, políticos, as nações constroem imaginários culturais de homogeneidade com símbolos que remetem aos sentimentos nacionalistas, como bandeiras, hinos e heróis-nacionais.

Eles, por sua vez, trazem um sentimento de pertencimento e identificação a algo maior, algo coletivo que une as pessoas em prol de uma causa. Por isso, podem ser apropriados por diferentes correntes políticas dentro do país. Por outro lado, são marcos importantes para a nossa memória coletiva, enquanto eventos e pessoas fundamentais para lembrar das lutas pela sobrevivência empreendidas por aqueles que vieram antes, na busca de sociedades com equidade em todos os aspectos e assim, mais justas.

Instituído em 1965 pela Lei 4.897, contudo, o feriado de Tiradentes também leva o título de “Patrono da nação brasileira”. A escolha dele como uma espécie de mártir cívico-religioso brasileiro, entretanto, começou nos preâmbulos da formação da nossa república. O movimento em prol da Proclamação da República (1889) se intensificava diante dos descontentamentos com o regime monárquico e nesses pressupostos, havia a busca por um herói que representasse a luta por liberdade da nação, contra monarquias e seus resquícios absolutistas, de um poder absoluto. A imagem de Tiradentes foi associada à de Jesus Cristo, principalmente, na pintura de Pedro Américo, “Tiradentes Esquartejado”, de 1893.

Longe desta imagem de Cristo europeizado, Tiradentes, no entanto, era um habitante da Capitania de Minas Gerais, quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal. Nesta conjuntura, os impostos brasileiros eram destinados diretamente para a Coroa portuguesa, no caso um quinto do ouro extraído em Minas Gerais deveria ir para Portugal. Uma crise abalou as minas, provocou a imposição da chamada Derrama, em que o déficit sobre a escassez do ouro era cobrado. Este fato gerou revolta entre os colonos, que culminou na formulação de uma Inconfidência Mineira, um movimento organizado contra cobranças abusivas, que repercutia as ideias do movimento intelectual Iluminista na Europa de defesa da liberdade de expressão e econômica, da soberania popular e da igualdade social. Tiradentes, conhecido assim pelas suas funções como dentista amador, assumiu a responsabilidade quando o movimento foi descoberto e como punição foi condenado à prisão, depois à morte, enforcado, decapitado e esquartejado no dia 21 de abril de 1792, para servir de lição para que ninguém mais ousasse contrariar a Coroa portuguesa.

Escolhido por representar, de certa, forma, a luta contra o absolutismo e seu sistema monárquico, também chamado de Antigo Regime, bem como, as luta de independência das colônias que ecoaram nas Américas e formaram os países que temos hoje, ele rememora os percalços para nos tornarmos um país, como também uma certa ideia de nacionalidade, de coletividade, que apesar disso não levou em conta em sua simbologia os demais heróis que constituem nossa nacionalidade, como as lutas dos povos originários, dos afrodescendentes, dos diversos gêneros e tantos outros que constroem esse país.