Memória pulsante: Dia Nacional da Consciência Negra

Para além dos feriados religiosos e civis, a sociedade também estabelece nos seus calendários dias específicos como marcos de temas importantes para a memória social. Com o passar da história de cada cultura, estes assuntos chaves surgem como questões latentes da vida no coletivo. São paradoxos que atravessam a convivência dos seres humanos e por consequência, a perpetuação e manutenção da vida em sociedade.

No Brasil, ao folhearmos a coleção de datas comemorativas da Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, perceberemos o rol dos mais variados temas que se tornaram dias nacionais, aprovados por lei. Desde saúde, meio ambiente, esporte, cultura, tecnologia, educação e afins. Com o mesmo intuito, ao fazer uma busca das tramitações no site da mesma instituição pública, encontramos diversos Projetos de Lei (PL) com propostas de implementação de dias comemorativos submetidos todo ano. Neste ínterim, o último dia 20 de novembro não é uma data comemorativa qualquer.  Nela, rememoramos o dia de morte de Zumbi, líder do expressivo quilombo colonial Palmares, localizado na antiga Capitania de Pernambuco, hoje União dos Palmares em Alagoas.

Antes de ser Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a data se estabeleceu em 2003 no calendário escolar, como resultado das políticas públicas para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo da rede básica de ensino. Depois, então, é sancionada como lei em 2011 (Lei 12.519), como dia nacional e passa ser decretado feriado estadual em Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro, além de feriado em diversos municípios pelo Brasil. Pode ainda, se tornar um feriado nacional a partir da aprovação do PL 3268/2021 que segue em tramitação na Câmara dos Deputados. Sobre o qual consta, a primeira proposição de PL desse teor em 2015 e segue sendo apensado por PL similares.

Este marco é bastante significativo para a sociedade brasileira, por agregar elementos ainda enraizados na nossa cultura. Durante mais de 300 anos, africanos foram trazidos ao Brasil na forma de escravizados: presos, transportados nos porões dos navios em condições insalubres, castigados, comercializados em feiras pelo litoral do país e muitas vezes, mortos, a fim de servir de mão-de-obra barata, principalmente, nos engenhos de açúcar. Não eram considerados seres humanos, e por essa razão, quem os comprava tinha um título de propriedade sobre eles. De fato, uma memória muito dura para se lidar e muito difícil de se desfazer. Desse modo, os cientistas das ciências sociais e humanas, nas últimas décadas, avançaram para além do mito das três raças, o qual trazia uma ideia de povo miscigenado e cordial, ou seja, de uma democracia racial, no sentido de pensar o conceito de racismo estrutural: estruturas mentais e socioeconômicas arraigadas de forma profunda em nosso seio, que nos levam a associar tons de pele escuros de uma pessoa, bem como, as características biológicas e culturais dos povos afrodescendentes à posições indignas, de imperfeição e de inferioridade.

Para tanto, trazer essa memória à tona e construir uma consciência sobre ela pode contribuir para nos repensarmos e nos policiarmos em relação ao racismo estrutural que nos permeia, de tal forma a avançar, seja no sentido da valorização da cultura afro, das políticas públicas imediatas de inclusão no curto prazo ou de igualdade social à longo prazo.