ESPIRITISMO E INFERNO

Laplace, no seu Ensaio Filosófico Acerca das Probabilidades, escreveu que à medida que o fato se torna extraordinário a probabilidade da mentira cresce.

Postulava o insigne astrônomo francês que não juntaríamos fé ao testemunho dum homem que, deitando cem dados ao ar, nos afirmasse que cairiam do mesmo lado, senão depois de nos termos certificado por experiência pessoal e comprovado, pelo consenso dos outros, de que nos não enganamos.

Foi, talvez, por esse motivo que a Teologia, num atentado à ciência, ao bom senso e a razão, conhecendo as difíceis probabilidades de constatação dos seus postulados, utilizando-se da mitologia grego-romana, criou imagens terrificantes para justificar suas audaciosas concepções a respeito das punições insertas nas Leis Divinas aos transgressores da ordem e do dever.

E propagou as lendas mitológicas do tonel das Danaides, da roda de Íxion e do rochedo de Sísifo, generalizando a concepção do Tártaro onde as almas sofrem sem sucumbir, ardendo sem lenitivo nem socorro, numa eternidade sem limite nem fim.

Sim, existe o inferno, mas somente para consciência ultrajada e a razão violentada que desrespeitou as leis imutáveis da Criação.

Não, porém, o inferno que se atinge após a travessia das águas do Estige na barca de Caronte… Mas que se desenvolve na intimidade do homem, em caráter de alucinação delinquente, e se manifesta como desequilíbrio espiritual.

O inferno não tem situação geográfica definida, sendo antes, um estado de aflição interior, em consonância com os princípios básicos do espírito que se deixou vencer pela voragem da loucura moral.

Até onde procuremos examinar a probabilidade de existência do inferno teológico, este não resiste ao bisturi da pesquisa racional. É verdade que existem regiões de dor punitiva e redutos de aflição disciplinante, onde se manifesta a alta justiça do Supremo Magistrado.

Se, na Terra, para o criminoso comum a penalogia recomenta o afastamento do transgressor para que a lepra do seu caráter não se espraie, contaminando outros homens, no País da Imortalidade não podem deixar de existir – em expressão temporária, embora – as escolas correcionais para as almas rebeldes e as ilhas de angústia para os corações desarvorados…

No entanto, tais delinquentes, logo renovem o panorama mental, retornam à Terra pelo abençoado cadinho da reencarnação, recapitulando as experiências em que malograram para se expungirem de todo o mal.

A lama que macula a fonte, dorme em quietude sob suas águas. E o inferno que assoma à consciência do homem, realiza-se na intimidade da mente encarnada, com o material imundo derivado dos atos infelizes.

Foi por essa razão que Jesus Cristo, procurando elevar-nos às excelências do Céu, afirmou que este estava dentro de nós, como a dizer que a felicidade e a desdita são uma resultante das nossas próprias aquisições.

A árvore frondosa vibra na miniatura da semente, como o carvalho enfermo se encontra falido na intimidade da bolota…

Livro: À LUZ DO ESPIRITISMO. Vianna de Carvalho (Espírito), psicografia de Divaldo Pereira Franco. Livraria Espírita Alvorada Editora. Salvador. BA. 2ª Ed. 1992.

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