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A carta de 1967

Na segunda semana de setembro de 1968, o Brasil já vivia sob a regência da Constituição desenhada pelos militares que depuseram o presidente João Goulart em 1964. Apresentada pelo presidente vindo da caserna, o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, a Carta promulgada em 24 de janeiro de 1967 substituía o texto vigente desde 1946 era, na ausência de clareza ao lidar com os direitos fundamentais dos cidadãos, um retrato de seu tempo.

A resistência civil em aceitar as decisões autoritárias do regime militar e a ascensão da chamada linha dura dentro do governo culminaram na edição do Ato Institucional nº 5, em 13 de setembro de 1968. O AI-5 fechou o Congresso, suspendeu as garantias de liberdade de expressão e reunião, acelerou a cassação de deputados e impediu a concessão de habeas-corpus para crimes políticos.

Nesse ambiente, com o início dos chamados anos de chumbo o presidente Arthur da Costa e Silva encomendou a seu vice, o advogado criminalista Pedro Aleixo, mudanças no conteúdo da Carta, em nome da segurança nacional. As emendas de Aleixo, rabiscadas a rigor pelos homens da caserna, foram anunciadas durante o curto período da Junta Militar provisória, que se instalou depois de Costa e Silva ter sofrido um acidente vascular cerebral, em agosto de 1969, e antes da posse de Emílio Garrastazu Médici.

 O Brasil então mergulhou em uma era sombria, e o documento era um arremedo da Constituição. E mais: Os críticos do regime naquele momento afirmaram que o país caminhava para as trevas, da qual sairia apenas em 1985. Diante de tanto cerceamento das liberdades fundamentais, e com a censura prévia a que a imprensa brasileira foi submetida de maio de 1974 a maio de 1976 ela dedicou um espaço mínimo, mas corajoso ao assunto.

Ernesto Geisel foi o presidente militar que liberou aos poucos a imprensa. Os militares sempre apontavam a Câmara Federal como sendo a mais comunista. Tanto assim, que vários deputados federais foram de cara cassados. Mas, o Congresso nunca foi totalmente fechado. No governo também militavam civis, e, em 1967, o Congresso trabalhou dois meses em regime de tempo integral para fazer uma nova Constituição. Trinta dias depois já se pensava em reformá-la. O Brasil vive desde 1945, em permanente regime de reforma constitucional. Pensava-se que tais reformas contribuiriam para a superação de crises.

Naquele momento, como das vezes anteriores, tenta-se o remédio milagroso: uma reforma para tirar o país do impasse e reativar o processo político, com a ajuda de políticos civis. Pedro Aleixo recebeu dos militares a missão de encontrar uma fórmula milagrosa. Com a ajuda de juristas da época, a ordem era criar uma forma que permitia ao governo a possibilidade de manterem as características de um regime democrático sem expor a risco excessivo a segurança revolucionária. Mas, afeito aos problemas jurídicos, o ministro da Justiça julga dispensável o Ato Institucional. Mas, para isso, a Constituição deveria ampliar os poderes da Presidência na decretação do estado de sítio e das intervenções nos estados, no processo legislativo em geral, no comando do trabalho parlamentar, ao mesmo tempo que limitava a interferência do Congresso e a Revolução poderia abrir mão do seu direito de cassar mandatos.

Isso seria feito de acordo com as regras, pelo próprio Parlamento. Mas se ainda persistissem os riscos, poderia o Presidente dissolver o Congresso, recursos copiados dos sistemas parlamentaristas. Não restaram dúvidas: A Revolução de 1964 tentou logo institucionalizar-se, através do Parlamento, e se parecendo menos com uma ditadura.

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