A Constituição brasileira completou 30 anos em 08 de outubro de 2018 com um legado ambíguo. Deu ao país estabilidade política e um arcabouço de direitos fundamentais. Só as emendas impediram que ela se tornasse uma barreira intransponível para o crescimento econômico. A Constituição que recém completou 30 anos, refletiu o arrojo das forças políticas dominantes no Brasil quando de sua promulgação. Constituições não materializam consensos perfeitos, mas os acordos possíveis e, como a história, são escritas pelos vencedores. A Constituinte era composta de pessoas de todas as origens. Eram banqueiros, operários, ex-cassados, ex-guerrilheiros. Todos queriam estar representados. Queriam, a seu modo, melhorar o Brasil lembrou o relator-geral da Constituição. Alguns impasses eram insolúveis, como provam os diversos temas consagrados no texto, mas deixados à espera de uma lei complementar. Até hoje há dezenas de artigos que aguardam regulamentação. Vista por este prisma, a Carta deixa claro quanto ainda existe de dissenso na vida pública brasileira. Dois méritos se agigantam quando se fala da Constituição de 88. Assim que foi promulgada, ela se tornou um símbolo. Era o sinal de que, depois de 21 anos de ditadura civil-militar o país havia cumprido a transição democrática. Como na primeira hora, a Carta preserva essa força simbólica. Acima de tudo, ela deu ao país instituições funcionais, verdadeiras máquinas de resolver conflitos sem rupturas políticas dramáticas e paralisantes e, fazendo isso, proporcionou ao Brasil um caminho trilhável para futuro. Não foi pouca coisa naquele momento. A primeira Constituição nos moldes democráticos foi promulgada nos Estados Unidos, em 1787. Era uma pequena carta de princípios, com apenas sete artigos, mas que garantiu o desenvolvimento político de uma das democracias mais civilizadas que o gênio humano produziu. Ali, frisavam-se a supremacia da lei e a garantia dos direitos individuais, como a liberdade e a propriedade. Promulgada logo depois, a Constituição francesa promovia ideais semelhantes. Naquele tempo, o Brasil era ainda um apêndice de Portugal. A primeira Constituição do país seria promulgada em 1824, com a proclamação da independência. Enquanto os americanos, ingleses e franceses aprendiam aos poucos a criar uma democracia, os brasileiros viviam sob a tutela de soberanos (dom Pedro I e dom Pedro II) com poderes quase que absolutos. As luzes da democracia só chegaram ao país em 1881, um século após nascer na Europa e nos Estados Unidos. No século 20 o Brasil conheceu apenas lampejos democráticos, intercalados com as longas sombras dos períodos autoritários. Antes da Carta de 88, foram quatro constituições e duas ditaduras, a de Getúlio Vargas e a dos militares. A ditadura dos militares é ainda hoje muito lembrada, porém a ditadura de Vargas (civil) é pouco lembrada. Será que foi melhor? Enfim, a cada terremoto institucional seguia-se uma nova Constituição. Em 1988, os constituintes queriam assegurar que os abusos da ditadura, como a censura e a perseguição política, não se repetissem. Naquele momento, a maneira mais apropriada de fazer isso parecia ser encravar minuciosamente todos os direitos na Constituição. Paralelamente, a Carta de 88 perpetuou a concentração de poder no Executivo, dando continuidade a uma tradição que remonta ao império. O governo federal se manteve senhor absoluto da chave do cofre. Tanto assim, que o grosso dos tributos pagos pelo contribuinte continuou fazendo uma escala nos cofres da União, para só então ser distribuído, ao alvitre do poder central, aos estados e municípios. Entre o vai e volta, quanto tempo passa? Uma gritante falha da Carta de 88, sem dúvida.