Fibromialgia: atriz natural de Laranjeiras transforma dor em símbolo de força e representatividade
Franciely Freduzeski fala sobre o sofrimento silencioso da doença, o caminho até o ativismo e como chegou a cogitar a eutanásia antes de transformar dor em propósito
Foi de uma infância simples na zona rural de Laranjeiras do Sul aos estúdios das maiores emissoras de televisão do Brasil que Franciely Freduzeski construiu uma trajetória marcada por coragem, talento e reinvenção. Conterrânea que mantém raízes profundas, não esconde o orgulho do berço paranaense que moldou seu caráter e alimentou os sonhos que a levaram ao Rio de Janeiro ainda jovem, sem contatos e sem garantias, mas com a certeza inabalável de que nasceu para brilhar.
Na TV, deixou sua marca em novelas da Globo, Record e SBT, como ‘América’, ‘Malhação’, ‘Duas Caras’, ‘O Clone’, entre outros projetos que a consolidaram como uma atriz versátil e carismática. Já atrás das câmeras, a vida reservava um roteiro inesperado e desafiador com o surgimento de dores constantes, limitantes e, por muito tempo, sem explicação médica. Isso a levou por uma longa e dolorosa peregrinação por consultórios, diagnósticos errados e desconfianças cruéis até a confirmação da fibromialgia, uma síndrome crônica e invisível que afeta milhões de brasileiros.
Dessa experiência íntima e devastadora nasceu uma nova Franciely: a ativista. Com o mesmo vigor com que abraçou a arte, ela voltou-se ao estudo da Psicologia, mergulhou em livros, dores e realidades semelhantes à sua. Encontrou no conhecimento e na empatia as ferramentas para transformar sofrimento em propósito e passou a ecoar sua voz nas redes sociais, em debates públicos, espaços de escuta e acolhimento. Hoje, tornou-se uma das principais vozes do país na luta pela visibilidade da fibromialgia, tendo seu trabalho reconhecido com a medalha ‘Chiquinha Gonzaga’, homenagem concedida a mulheres de destaque na cultura e nas causas sociais.
A sanção da Lei 15.176, que reconhece oficialmente pessoas com fibromialgia como pessoas com deficiência (PCDs), carrega o DNA de sua luta e o orgulho de ser de Laranjeiras, como ela mesma afirma. “Foi combustível para continuar quando tudo parecia ruir”.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Correio do Povo do Paraná, Franciely revisita sua trajetória com honestidade, entrega e maturidade. Fala das origens que nunca abandonou, da força e da missão que abraçou não apenas por si, mas por milhares de pessoas que, como ela, um dia se sentiram invisíveis.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
Você é considerada, pelo Google, nossa conterrânea mais ilustre. O que essa conexão com suas raízes paranaenses representa para você, especialmente nesse momento em que sua história toca tantas outras pessoas?
Franciely Freduzeski:
Tenho orgulho de ser paranaense, de ter saído do interior e me arriscado nesse mundão. Digo que tive muita “cara de pau”, pois fui com um sonho para o Rio de Janeiro. Eu não conhecia ninguém, apenas foquei nele e não pensei duas vezes. Usei a coragem da adolescência, quando não se calculam os riscos e só se acredita que vai dar certo. E deu!
Me sinto honrada de ser “bicho do Paraná”, orgulhosa de mim, das minhas origens, das minhas crenças e da minha cultura. Minha infância foi na roça e na simplicidade, e isso me ajudou a voar alto e, ao mesmo tempo, manter os pés no chão. Aprendi a valorizar cada conquista e enfrentar minhas frustrações. Tudo colaborou para o meu crescimento.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
Como foi, para uma mulher ativa, saudável e artista em ascensão, lidar com o diagnóstico de uma doença que não aparece em exames e que muitos médicos diziam ser “coisa da sua cabeça”?
Franciely Freduzeski:
Foi muito difícil. Eu era extremamente ativa, corria na areia, vivia na academia e, de repente, não conseguia nem passear com meus cachorros. Passei por mais de 25 médicos, fiz todos os exames possíveis, e muitos diziam que era psicológico. Isso me fez duvidar de mim mesma, da minha força, da minha sanidade. Me senti inútil, como um fardo para os outros. Mas, quando finalmente recebi o diagnóstico, foi como recuperar parte da minha identidade. Saber o que eu tinha me deu ferramentas para lutar, me tratar e me aceitar.
Quem tem fibromialgia também enfrenta depressão. Infelizmente, não há como estar feliz sentindo dor 24 horas por dia. A doença me isolou, me fez repensar tudo, mas também me levou a buscar conhecimento, a cursar Psicologia, e a entender a dor do outro. Hoje, mesmo com limitações, eu escolho viver.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
Você disse que chegou a se sentir um peso na vida das pessoas. O que ajudou você a atravessar esse abismo emocional e reencontrar sentido e propósito na sua jornada?
Franciely Freduzeski:
Foi um conjunto de fatores. A começar pela minha psicóloga, Cilene Marcante, e meu psiquiatra, Luís Mário Duarte, que me acolheram e me acompanharam mesmo antes do diagnóstico. Minha mãe estava com a saúde fragilizada, então eu não fiz nada por causa dela. Não queria que ela sofresse ainda mais com a perda de uma filha. Isso também afetaria meus irmãos. Cheguei a dizer que queria morrer e percebi o quanto isso seria cruel com ela. Pensei em eutanásia, cheguei a pesquisar e cogitar ir para outro país. Assisti filmes e documentários sobre suicídio assistido.
‘A vida após o suicídio’ é um livro que me marcou muito, pois traz relatos de quem perdeu alguém dessa forma e foi ali que percebi que esse não era o caminho. Afastei-me da igreja e das religiões, pois me sentia como se estivesse sendo castigada. Cada crença me trazia mais frustração. Então decidi me ouvir, ouvir o que Deus queria dizer através de mim. Entendi que as respostas estavam dentro de mim, que precisava transformar a dor em força. Foi um processo solitário e difícil.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
A recente sanção da lei que reconhece pessoas com fibromialgia como PCD foi um marco para o país. Como você recebeu essa conquista e o que ela representa para quem vive com essa dor todos os dias?
Franciely Freduzeski:
Essa conquista representa dignidade, acesso e esperança. Agora, quem vive com fibromialgia pode buscar direitos, ser incluído e respeitado. É um passo enorme não só na legislação, mas na consciência coletiva. E eu espero que seja apenas o começo.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
Você se formou em Psicologia depois do diagnóstico. O que aprendeu sobre você mesma nesse processo de se tornar estudante, paciente e ativista ao mesmo tempo?
Franciely Freduzeski:
Fui para a faculdade porque minha vida havia perdido o sentido. Parei tudo, perdi tudo e estava sem rumo. Por insistência do meu psiquiatra, entrei no curso de Psicologia por achar que era algo próximo do que eu gostava. Fui sem vontade, quase desistindo. Também não aguentava mais ser tratada com descrédito nos consultórios. Queria entender que dor era essa e como explicá-la, porque ninguém me compreendia.
No primeiro semestre, me surpreendi. Gostei, me senti motivada. Mesmo com dores, ia arrastada ou faltava por estar internada. Os professores me ajudaram muito. Isso me ajuda no acolhimento dos meus pacientes e me transformou em ativista, porque sei o que é ser ignorada e desmerecida. A fibromialgia é uma doença cara, que exige uma equipe multidisciplinar. Ainda não há um especialista específico; os mais capacitados são reumatologistas e neurologistas. Ainda falta muito para termos diagnóstico rápido e cuidado adequado.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
Você tem falado sobre aprender seus gatilhos, adaptar sua rotina, mudar até a forma de amarrar um biquíni. O que essas pequenas mudanças revelaram para você sobre resiliência e autoconhecimento?
Franciely Freduzeski:
Para entender a fibromialgia, é preciso primeiro aceitá-la. Depois vem o processo de compreender seus impactos na vida e como viver com a síndrome. A dor é subjetiva, varia de pessoa para pessoa, mesmo com sintomas semelhantes.
No início, eu anotava tudo em um caderno. O Dr. Bruno Rebolças me orientou com uma reeducação sobre dor, analisando minha rotina e tratamentos anteriores como massagem, exercícios, acupuntura e cirurgias. Descobri que acupuntura, por exemplo, era um gatilho por causa das agulhas. Até a massagem precisou ser adaptada para dessensibilização.
Fui entendendo tudo gradualmente, inclusive os impactos psicológicos. A fibromialgia não é uma doença psicológica, mas afeta o emocional e o estresse agrava os sintomas. Por isso, o entendimento precisa ser individualizado, entre o paciente e quem cuida dele.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
Receber a medalha ‘Chiquinha Gonzaga’ simboliza o reconhecimento de uma luta que ainda é solitária para muitos. O que sentiu ao ser homenageada por algo tão íntimo e, ao mesmo tempo, tão coletivo?
Franciely Freduzeski:
É uma honra imensa, um reconhecimento que vai muito além da minha trajetória artística. Representa uma luta silenciosa, dolorosa, que por muito tempo me fez sentir invisível. Quando fui diagnosticada, me senti sozinha. Mas hoje, transformei essa dor em uma missão de dar voz a quem sofre calado.
Essa homenagem me mostrou que minha história tocou outras pessoas. Essa medalha é um símbolo de resistência, empatia e transformação.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
Muitas pessoas ainda enfrentam descrença e preconceito. Que mensagem você deixa para quem está no início dessa caminhada sem diagnóstico, sem apoio e sem voz?
Franciely Freduzeski:
Não desista. Se precisar ir a 27 médicos como eu, vá, mas não desista. Existem pessoas boas, médicos bons que podem ajudar. Não confie em nenhum médico que te ofereça cirurgia de imediato; busque ao menos três opiniões.
Faça terapia, vá ao psiquiatra, procure ajuda espiritual. Não dê ouvidos a críticas. Esteja preparado para não ter compreensão, principalmente de quem está próximo. Filtre tudo o que ouve e nunca duvide da sua sanidade.
Jornal Correio do Povo do Paraná:
Se pudesse voltar no tempo e conversar com a Franciely de 2022, que ainda buscava respostas em meio à dor, o que você diria a ela como mulher, artista, psicóloga e filha de Laranjeiras do Sul?
Franciely Freduzeski:
Diria que ela vai entender o porquê de tanta dor, que vai se moldar para mudar a própria vida para melhor, e que com essa dor, ajudará muitas pessoas. Diria que está tudo bem sentir o que eu estava sentindo e passando. Que era normal se sentir perdida, sozinha, desesperada e sem forças, mas que isso a transformaria em alguém melhor. Que naquele momento era normal achar que Deus não a ouvia, e não saber no que acreditar. Mas que, no futuro, isso se transformaria em garra, e que ela pode ter certeza de que Deus nunca deixou de segurar sua mão.
E por fim, eu diria. “Parabéns! Não é e nem será fácil, mas você será um grande exemplo de resiliência, porque muitas coisas melhores virão pela sua força”.