A porto-barreirense Niuza Gonçalves passou três anos entre barracos de Laranjeiras do Sul, Quedas e Cantagalo, onde dividia dedicação com a reforma agrária e a criação dos dois filhos
Por seus filhos, as mães fazem sacrifícios e mudam os planos pensando no melhor para eles. A história que o Correio do Povo do Paraná contará agora, é de uma mulher guerreira, que ao mesmo tempo em que lutou para dar dignidade aos filhos, fez justiça social e construiu uma história sofrida, mas bonita, em nossa região.
Niuza Gonçalves de Oliveira nasceu em 1979, na então comunidade de Barreirinho, atual município de Porto Barreiro. Filha de pequenos agricultores, ela cresceu um ambiente simples, mas que tinha nas veias o anseio por um futuro melhor. Com o pai envolvido com o Sindicato Rural dos Trabalhadores Rurais, a relação com movimentos sociais parece ter começado no berço.
O anseio por igualdade social
“Tínhamos uma vila pequena, pobre, mas com uma juventude atuante, decidida a estudar e eu estava junto”, conta. Um primo, José Davi, falecido em 1995, foi um dos grandes motivadores para que Niuza entrasse de vez na atuação social. “Meu primo era engajado. Dizia que precisávamos mudar a realidade de pobreza que tínhamos”.
Mais tarde, o irmão de Niuza, Nilson, foi para um seminário, em Piracicaba/SP, onde conheceu e se encantou pelas músicas do Movimento Sem Terra (MST). Foi através dele que ela conheceu e se aproximou do movimento. O contato com padres xaverianos, que segundo ela possuem um olhar humanizado apurado, também influenciou.
“Nisso, eu casei em 1998 e no seguinte tive o Isac. Nós tínhamos ele e a roupa do corpo. Decidimos sair do Porto Barreiro. Meu pai possuía quatro alqueires de terra e meu sogro três. O necessário para se manter”.
Ela partiu com o Isac e o marido, Laudecir Gonçalves, o ‘Polaco’, para Laranjeiras do Sul. Ficaram um bom tempo trabalhando como chacareiros. Sempre mudando de morada.
Em 2002, após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil, um fato fez com que brotasse nela uma chama de esperança de um futuro mais ordeiro. “Quando o Lula se elegeu, lembro de ter prometido promover a reforma agrária. Era o nosso sonho. Estávamos em um cantinho de terra que não era nosso. A juventude não tinha oportunidade de estudar. Então surgiu o acampamento 8 de Junho, em Laranjeiras”.
Nesta época, já em 2003, Niuza tivera a segunda filha, Kauane. Quando a pequena tinha apenas oito meses, decidiu ir só com as crianças para o acampamento. “O Polaco trabalhava como vendedor, viajando. Às vezes, ficava duas semanas sem vê-lo. Fui para o 8 de Junho pensando num futuro para os filhos”.
A vida em um acampamento

Foto: Laureci Leal
Com uma lona amarela, ela construiu um barraco nas proximidades da BR-158. Ali foi início de uma vida sofrida e no coletivo. “Eram 18 pessoas. Para conseguir um balde d’água, precisava caminhar 2 quilômetros com a Kauane no colo. Eu participava da organização da segurança. A cada dia um grupo cozinhava para todos. Em cada canto, plantávamos para comer”.
A precariedade não era pouca. “O barraco foi construído sob um chão de terra, meio ladeira. Quando chovia, a água passava por baixo da cama”, lembra.
Para lavar as roupas, era necessário ir para as margens de um rio distante alguns quilômetros. Por conta das crianças e a dificuldade de acesso, passava-se o dia todo no local.
O medo também era um sentimento constante. “Sempre falaram que se uma bala pegasse em algo pendurado, ela se enrolaria e não pegaria na gente. Eu colocava a Kauane na cama e deixava lençóis ao redor dela, para proteger. De madrugada, às vezes via uma sombra passando pelo barraco. Era o suficiente para não dormir mais. O dia que mais temi, foi quando estávamos no barraco com os companheiros e de repente alguém empurrou a lona, apontou uma arma e olhou quem estava ali e foi embora. Acredito que quem ele procurava não estava ali”.
Sem terra
No final de 2003, Niuza e os filhos deixaram o 8 de Junho e partiram para o Assentamento Celso Furtado, em Quedas do Iguaçu. Lá, já no ano seguinte, surgiu a oportunidade de integrar o Centro de Formação do Ceagro, em Cantagalo. Para onde foi.
Em 2005, ocorre a divisão das terras do acampamento e Niuza não consegue ser incluída, ficando sem terreno. Ela acredita que o fato de estar diretamente ligada ao Ceagro foi determinante para a negativa.
“Eu venci”
Foto: Juliam Nazaré
Passados 15 anos, Niuza conseguiu, ao lado do marido, construir uma vida promissora. Eles administram uma lanchonete da cidade. Ela também trabalha como salgadeira. Isac, hoje com 21 anos, estuda Engenharia Química na Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), de Francisco Beltrão. Kauane, com 18 anos, cursa Agronomia, na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).
Para eles, a trajetória heroica da mãe serviu para moldar o caráter. “Ela enfrentou grandes batalhas. No acampamento, sofreu bastante, mas isso criou em nós um caráter. O que temos hoje – casa própria, carro e a lanchonete – se analisarmos, é um sonho realizado”, comenta Isac.
“A mãe é guerreira, tenho orgulho, pois ela me influenciou. Ela tem muita força de vontade, não desiste da gente, dos seus ideais. Muita coisa que eu acredito, defendo por causa dela”, diz Kauane.
“Niuza é uma companheira, que sempre lutou por nós. Sempre buscou dar dignidade para os filhos. Um exemplo de mãe, de caráter. Se fosse resumir, diria que a Niuza é uma pessoa completa para mim”, diz o marido Laudecir Gonçalves, o ‘Polaco’.
“Eu venci. Tudo o que passei, edificou a mim e aos meus filhos. Uma mãe não vem pronta. Fui saber o que era ser uma mãe depois que tive meus filhos. Olhando para trás, tenho orgulho ao pensar em tudo o que fiz pelos filhos, pois eles são o que são, graças àquela realidade diferente”, conclui Niuza.