Termo velhice adicionado à lista de doenças gera discordância entre especialistas

OMS decidiu incluir a idade em nova classificação internacional

Ex-atleta profissional de futebol, cidadão laranjeirense há 15 anos, Rafael Cardoso dos Santos, 59 anos, segue disputando “peladas” semanais com amigos. Grande parte está na mesma faixa etária e o conhece desde os tempos em que ele defendia clubes regionais.

Mesmo não apresentando a habilidade e velocidade de antes, os jogadores seguem competitivos. Oficialmente, as partidas servem de pretexto para reunir amigos, se divertir, evitar o sedentarismo e celebrar o fato de os participantes continuarem aptos a jogar seu futebol e a desempenhar uma série de atividades. Contudo, ninguém quer perder um jogo.

Mesmo com essa disposição, alguns médicos podem deduzir que Rafael ficará doente em 1º de setembro de 2022 – mesmo que sem nenhum prejuízo ao seu atual bem-estar. Tudo porque, no primeiro dia do próximo ano, quando o psicólogo completa 60 anos de idade, entrará em vigor a nova edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 11). Nesse documento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu incluir o termo velhice, sob o código MG2A.

“Se, por qualquer motivo, alguém acima de 60 anos tiver que procurar um médico a partir de 1º de janeiro, o profissional de saúde poderá considerá-lo doente pelo simples fato de ele já ter 60 anos de idade”, disse a presidente da Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria (SBGG), Ivete Berkenbrock, explicando que, para a OMS, em países em desenvolvimento a velhice começa aos 60 anos.

“A menos que a decisão seja revista, os profissionais da saúde poderão sim usar o código da CID para velhice no lugar de uma série de manifestações. Porque não está claro em que casos esse código poderá ser utilizado”, acrescenta Ivete, criticando a iniciativa. “Se os profissionais passarem a anotar esta única CID em vez dos outros códigos já empregados para identificar várias e diferentes doenças, isso vai mascarar não só os resultados de futuros estudos epidemiológicos, como afetará a definição de políticas públicas e pode vir a estigmatizar as pessoas.”

Classificação Estatística Internacional

Criada em 1893, a Classificação Estatística Internacional agrupa uma série de doenças e de situações em que há necessidade de atendimento clínico. Adotado pela OMS em 1948, o documento utilizado por profissionais de mais de 150 países está em sua décima edição, implementada em 1993. A nova versão, a CID-11, foi aprovada em maio de 2019, após um processo de consultas, discussão e revisão textual, mas só a poucos meses de entrar em vigor a inclusão de um código para designar a velhice (ou, no inglês, old age) chamou a atenção de profissionais de saúde.

Segundo especialistas, parte dessa repercussão se deve ao fato de, em abril deste ano, médicos terem atestado a morte do príncipe Philip, de 99 anos, como causada por velhice, ainda que o marido da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, tivesse passado por uma cirurgia cardíaca poucas semanas antes.

Impactos

A OMS sustenta que o fato de incluir um código específico para velhice no documento não significa que tenha classificado essa fase natural da vida como uma doença, já que a CID, conforme o próprio nome indica, não lista apenas estados patológicos. “O CID contém, por exemplo, lesões, achados, motivos de encontro com o sistema de saúde ou condições que podem ou não exigir o apoio do sistema de saúde, dependendo do contexto e da extensão do sofrimento vivenciado pelo indivíduo”, informa a organização, em nota.

“A CID reconhece que as pessoas podem morrer de velhice – e existe um código que se pode usar caso seja essa a única coisa declarada em um atestado médico de causa da morte”, destaca a OMS. “Mas o envelhecimento não é identificado como porta de entrada para [uma situação que, necessariamente, exija] prevenção ou tratamento”, acrescenta.

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