Álbum que alicerçou obra de Chico Buarque há 50 anos, ‘Construção’ retém a contundência de 1971

Disco se conserva atual por expor aflições cotidianas de tempos marcados por tensões sociais e políticas.

Álbum lançado em 1971 no formato de LP, Construção se elevou na obra de Chico Buarque  e se manteve no mais alto patamar ao longo dos 50 anos completados em 202, pela coesão do repertório, pelo pulso político desse cancioneiro inteiramente autoral e pela adequação dos arranjos às 10 músicas que, ouvidas em sequência no disco, gravado sob direção musical de Antônio José Waghabi Filho (1943 – 2012), o Magro do grupo MPB4, totalizam meia hora de deleite, 31 minutos e 12 segundos, com precisão.
É na total sintonia entre o repertório então (quase) inteiramente inédito, os arranjos e o momento político do Brasil de 1971 que Construção se sustentou, alicerçando a obra de Chico Buarque com maior apuro estético e com contundência que se preservou ao longo dos 50 anos.
Ouvir o álbum Construção em 2021 ainda é experiência incrível, inclusive do ponto de vista estritamente musical. Os antológicos arranjos orquestrados pelo maestro tropicalista Rogério Duprat (1932 – 2006) sublinham as tensões impressas nas letras de Deus lhe pague e Construção.


Sincronia
A sincronia de violoncelos, violas, trompas e trompetes com as vozes evidencia, na música-título, a engenhosidade da letra escrita com versos alexandrinos (compostos por 12 sílabas) que terminam com palavras proparoxítonas, alavancando o ritmo de melodia calcada na repetição de dois acordes.
Duprat orquestrou Deus lhe pague e Construção como óperas, dando intensidades crescentes às histórias afins das duas composições e, não por acaso, um trecho da primeira se repete ao fim da gravação da segunda na costura do disco.
Sem se deixar intimidar pela presença de Duprat, Magro também desempenhou com maestria a função de arranjador do disco, deixando legado nessa área em faixas como Valsinha, parceria de Chico com Vinicius de Moraes (1913 – 1980), poeta e compositor creditado em quatro das dez músicas do disco – parceiro com o qual Chico afrouxaria os laços profissionais a partir de 1972.


Capa
Lançado com capa que expôs Chico Buarque em foto de Carlos Leonam, enquadrada na arte de Aldo Luz, o álbum Construção depurou a estética do compositor com maior solidez ao mesmo em que ecoou o lirismo sobressalente no cancioneiro do Chico dos anos 1960, notadamente em Acalanto, faixa final que condensa desalento e esperança em pouco mais de um minuto e meio, e sobretudo em Olha, Maria, parceria do artista com Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
É de Jobim, a propósito, o piano da faixa, devidamente creditado na ficha técnica original do álbum. Já os músicos do Trio Mocotó jamais levaram o crédito oficial por terem contribuído para fazer o Samba de Orly (Samba de Fiumicino) cair em suingue atípico na discografia de Chico.
 

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