Novo projeto de lei prevê 20 anos de prisão para mulheres que praticarem o aborto

Este projeto equipara a prática realizada após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, mesmo nos casos em que já é permitido, como o estupro

Na última quarta-feira (12), a Câmara dos Deputados aprovou o pedido de urgência para o Projeto de Lei nº 1.904/2024. Este projeto equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, mesmo nos casos em que o procedimento é permitido por lei (estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia fetal). A aprovação do requerimento acelera a tramitação da iniciativa, permitindo que ela seja pautada diretamente no plenário, sem a necessidade de passar por comissões.

Atualmente, o Código Penal não estipula um limite gestacional para abortos em casos de estupro. Segundo a justificativa do projeto, o conceito de “aborto” se aplica apenas até as 22 semanas de gestação. Os parlamentares que assinam o projeto argumentam que o procedimento viola o direito à vida e à dignidade humana dos nascituros.

Pena maior para aborto do que para estupro

Conforme o PL, mulheres que realizarem abortos após 22 semanas de gestação enfrentarão penas de seis a 20 anos de prisão. Isso implica uma punição mais severa para a vítima de estupro do que para o estuprador que causou a gravidez.

De acordo com o artigo 213 do Código Penal, a pena para estupro varia de seis a dez anos de reclusão. Em casos de lesão corporal grave ou quando a vítima tem entre 14 e 18 anos, a pena aumenta para oito a 12 anos de reclusão. Se a vítima tiver menos de 14 anos, a pena varia de oito a 15 anos de reclusão. A pena máxima só se equipara à do aborto em casos de estupro com agravante de lesão corporal grave, onde a reclusão é de dez a 20 anos. A única situação em que o estupro terá uma pena maior que o aborto é quando resulta em morte, com pena prevista de 12 a 30 anos de reclusão.

Discussão no STF

O PL 1.904/24, apresentado em maio deste ano, contraria o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal (STF). No mês passado, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a realização de aborto legal em casos de gravidez por estupro após 22 semanas.

Publicada em 21 de março de 2024, a resolução do Conselho proíbe a “assistolia fetal” em gestações acima de 22 semanas. A assistolia é necessária para a realização do aborto em casos permitidos por lei, como gestações resultantes de estupros. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), não há prazo estabelecido pela lei para a solicitação do aborto legal. O direito à requisição é garantido e a resolução do CFM, conforme o MPF, inviabiliza a aplicação da lei em todo o Brasil.

Retrocesso inconstitucional

Segundo o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o projeto de lei é inconstitucional, pois viola o Estatuto da Criança e do Adolescente e contraria normas internacionais às quais o Brasil é signatário.

“Representa um retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual”, afirma a nota do Conanda.

Em comunicado, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, destaca que “as principais vítimas de estupro no Brasil são meninas menores de 14 anos, abusadas por seus familiares, como pais, avôs e tios. São essas meninas que mais necessitam do serviço de aborto legal e são as que menos têm acesso a esse direito garantido pela legislação brasileira desde 1940”.

Em média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães diariamente no Brasil. Em 2022, conforme os relatórios do Sistema Único de Saúde (SUS), ocorreram mais de 14 mil gestações entre meninas com até 14 anos.

“O Brasil impõe a maternidade forçada a essas meninas vítimas de estupro, prejudicando não apenas seu futuro social e econômico, mas também sua saúde física e psicológica. Isso perpetua ciclos de pobreza e vulnerabilidade, como o abandono escolar”, ressalta a ministra.