Ângelo (Quem pode doar um brinquedo?)

Constantemente, observei, na casa dos ricos, bonecas abandonadas pelo desagrado das meninas felizes, e disse-me: milhares de ingênuas pequeninas bateriam palmas, se pudessem possuir essas bonecas tão desdenhadas por suas donas.

            Quantos meninos pobres crer-se-iam ditosos com um cavalo coxo… um carrinho quebrado… uma boneca maltrapilha… pobres crianças…! Quanta compaixão me inspiram os que não têm brinquedos!

            Sempre recordarei um pequenino que conheci em Madri, filho do porteiro da minha casa. Chamava-se Ângelo. Era um menino débil e anêmico. Nunca saía da portaria e seus pais o obrigavam que estivesse o dia todo em seu posto, enquanto atendiam a outras ocupações. Mas sucedia que, de repente, Ângelo desaparecia e ia-se… Brincar com os meninos da rua? Quebrar vidros e chamar às portas? Ninguém da vizinhança se queixava dele; mas seu pai o pegava e sua mãe o repreendia duramente por suas escapatórias.

            Ângelo se calava e, quanto podia… pé para que te quero! Desaparecia como por encanto.         Uma noite se foi e seu pai o seguiu, para descobrir o segredo de suas frequentes ausências. Ângelo correu com rapidez de um gamo, e cruzou várias ruas, até deter-se diante de uma grande loja de brinquedos, situada fora do alinhamento da rua, o que permitia que, à sua frente, sem estorvar a passagem dos transeuntes, colocassem cavalos de madeira e papelão de todos os tamanhos. Chegou, sentou-se diante de um formoso cavalo cujas brancas crinas se pôs a acariciar com maior cuidado. Assim permaneceu meia hora.

            O pai de Ângelo, embora homem rude, tinha bom coração e era um bom pai.   Comoveu-se profundamente ao ver o filho abraçado ao cavalo na loja, perguntou quanto valia o brinquedo preferido de seu Ângelo.

            – Cinco Duros (25 Pesetas espanholas) – lhe responderam.

            – Então… Meu pobre filho, ficas sem cavalo.

            – Ah! É para esse menino que fica todos os dias à porta: Já faz tempo que nos suplicou, com a mais comovedora insistência que o deixassem ficar entre os cavalinhos. Leve o cavalo, pois seu filho o merece como prêmio da sua constância e da sua persistência. Não passa um dia que não o vejamos chegar suando, embora faça frio; senta-se, acaricia o cavalinho, se levanta, se vai, volta… São uma história suas idas e vindas.

            Quando Ângelo se convenceu de que lhe deram o cavalo, seu prazer não teve limites. Foi tanta sua alegria que adoeceu; seu débil organismo não pode resistir a uma emoção tão forte quanto inesperada e, oito dias depois, morreu abraçado ao seu cavalo.

            Pobre Ângelo! Quanto algumas crianças amam seus brinquedos!

           

Do Livro: PALAVRAS DE ALVORECER. Amalia Domingo Soler. IDE. Araras – SP. 5ª ed. 1987. p. 44

Manoel Ataídes Pinheiro de Souza. Sociedade Espírita Amor e Conhecimento Guaraniaçu – PR.

manoelataides@gmail.com

 

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