“Sistema prisional ‘deforma’ os apenados”, afirma Lisovski

O Correio do Povo conversou com o advogado criminalista sobre diversos temas, entre eles o sistema prisional. “O sistema foi estabelecido há mais de 250 anos, e desde então houveram poucas mudanças, é totalmente nocivo e ‘medieval’”

O advogado Loêdi Lisovski é um leitor voraz. Seu apetite vai de estudos sobre tipologias criminais a autores como os filósofos Søren Kierkegaard, Immanuel Kant e Michel Foucault. Na área criminal, diz que já atuou em casos de A a Z, do Código Penal brasileiro, sempre com zelo. Temas como cyberbullying, assédio sexual e uma análise fria do sistema carcerário brasileiro estão na pauta. Para ele, é pontual perceber que advogado criminal defende a pessoa, não defende o que ela fez. Em visita à Laranjeiras na última semana, onde procura espaço para a filial de seu escritório, ele concedeu uma instigante entrevista ao Correio do Povo.

JORNAL CORREIO DO POVO DO PARANÁ: Você atua hoje como advogado criminalista. Tem um dos escritórios mais conceituados de Guarapuava. Conte-nos como começou sua história.
ADVOGADO LOÊDI LISOVSKI: Sou natural de Guarapuava, mas passei a infância e a juventude, aqui. Toda a minha formação enquanto adolescente, foi em Laranjeiras do Sul. Estudei no Érico Veríssimo e no Gildo. Minha mãe foi professora durante muitos anos. A conhecida professora Ivone Leite… e meu pai é Ivo Lisowski, inclusive, ainda morador daqui. Então eu tenho esse saudosismo pela região. E essa curiosidade de estar atuando também para esses lados.

CORREIO DO POVO: E a sua formação, como advogado?
DOUTOR LOÊDI: A minha formação profissional inicial foi em Ponta Grossa. Tive uma escola muito boa lá, porque é uma comarca grande e bem competitiva. Eu fiz Direito no CESCAGE. Eu conclui minha graduação em 2006, passei no exame da ordem e já comecei a atuar como advogado. Em seguida fiz especialização e tenho tido a oportunidade de lecionar, de ser professor em Guarapuava, na faculdade Guairacá.

CORREIO DO POVO: Com relação a entrada na área criminal, como foi?
DOUTOR LOÊDI: Na verdade, atuei desde a faculdade. Mas assim que cheguei em Guarapuava as portas foram se abrindo. Os horizontes foram se ampliando e o escritório cresceu. A cada ano a gente vê perspectivas mais altas, a ponto de já poder também migrar para outras regiões. Então foi um caminho natural. Os livros de direito penal, de criminologia sempre foram os mais aprazíveis para mim. São os que eu mais tive prazer em ler. Sou um estudioso, gosto também dos filósofos Søren Kierkegaard, Immanuel Kant e Michel Foucault. Ler muito faz parte da minha profissão e isso é uma exigência desse tipo de cadeira jurídica.

CORREIO DO POVO: Como é composto o seu escritório. Podemos dizer que é uma banca de advogados?
DOUTOR LOÊDI: Sim, atualmente estamos em quatro profissionais. Eu faço a parte criminal. Mas temos outros nichos, todos advogados especialistas. Além do criminal, temos tributário, civil e trabalhista. Me orgulho de dizer que somos muito rigorosos, que não entregamos um serviço mediano ou raso. Isso não entra ali no escritório, nós não nadamos no raso (risos), gostamos de águas mais profundas.

CORREIO DO POVO: Loêdi, atuando já há 17 anos, como você vê o sistema jurídico brasileiro em relação à justiça, ao direito criminal?
DOUTOR LOÊDI: Veja, nós estamos tratando de um mecanismo que é eminentemente humano. Temos altos e baixos. Hoje, podemos dizer que cada caso vai ter uma resposta e isso é perigoso. Dependendo muito de quem é o autor, dependendo muito de quem é a vítima, dependendo muito da dimensão do prejuízo, do dano, da ofensa. Então isso escapa um pouco daquele mecanismo de legalidade. Hoje, há temas muito sensíveis. Por exemplo, a mulher, a dignidade sexual feminina. São pontos sensíveis, de modo que eu diria assim… não flerte com isso. Evite, até mesmo alguma brincadeira, pois pode ser interpretada como assédio no ambiente de trabalho. Aqueles galanteios assim mais piegas assim que às vezes passam batido, evitem…

CORREIO DO POVO: Você acha que a gente vive uma cultura da criminalização… ou de judicialização?
DOUTOR LOÊDI: Sim, hoje todo e qualquer comportamento, que seja minimamente disfuncional, pode virar uma ação judicial. É perigoso, mas é a realidade. Coisas que no passado, por exemplo, não eram crime, hoje já são, e inclusive, gravíssimos. Quantas pessoas nos anos 90, não namoraram, inclusive com tenra idade, quatorze anos ou até menos? Fato que hoje é absurdamente reprovável. Mas veja, foi uma cultura que foi evoluindo, foi uma questão de dinâmica social, mas que hoje chegou no patamar de ser considerado um crime gravíssimo.

CORREIO DO POVO: Quando você defende um cliente, numa situação de crime flagrante, é confortável? O advogado busca sempre a inocência do cliente ou a menor pena?
DOUTOR LOÊDI: Ao menos o menor apenamento. Eu já atuei em vários processos. Já fui quase de A a Z (risos), aquilo que a gente diz no Código Penal. Eu tive uma atuação num caso muito interessante lá em Maringá, que foi no homicídio do então secretário de Finanças do município. O famoso caso Luiz Antônio Paolicchi, que teve repercussão nacional. Mas o mote do caso era a relação homossexual que ele mantinha com o acusado, entende? Então isso que foi a grande mola propulsora de todo o caso. Era uma relação disfuncional. Uma diferença de idade entre autor e vítima bastante elevada e que despertou curiosidade da sociedade e aquilo acabou ganhando uma dimensão maior, um tanto quanto desconfortável para todo mundo.
Uma coisa que as vezes as pessoas não entendem é, como é que ele defendeu essa pessoa? É pontual perceber que a gente defende a pessoa, não defende o que ela fez. E outra coisa, gostemos ou não, isso é constitucionalmente assegurado, todo mundo tem o direito à defesa.

CORREIO DO POVO: E qual foi o desfecho nesse caso? O menino foi condenado?
DOUTOR LOÊDI: É um caso muito interessante, ele foi condenado e, assim… a vítima, tinha um histórico muito problemático. Luiz Antonio tinha sido condenado por um desvio de mais de meio bilhão de reais dos cofres públicos de Maringá. Mas então, meu cliente foi condenado, nós estávamos numa fase recursal e do nada ele desapareceu. O autor do crime desapareceu. E nunca mais foi localizado. Então é um caso assim que não teve um desfecho ainda. Na advocacia criminal, no meu escritório tem muito isso. São situações de sigilosidade.

CORREIO DO POVO: Na sua avaliação doutor, o sistema carcerário penitenciário no Brasil hoje ‘reforma’ quem comete e paga pelos seus crimes?
DOUTOR LOÊDI: Eu diria que a palavra não é reforma, a palavra é “deforma”. Acredito que a penitenciária, a cadeia pública, o presídio, enfim, tornam o apenado sempre pior. Pois é um ambiente absurdamente nocivo, tanto fisicamente, fisiologicamente, quanto mentalmente. A lei da gravidade é diferente pra quem está aprisionado. Então, se uma pessoa aqui fora, já envelhece, já sofre de forma rápida e acelerada… lá dentro eu posso dizer que a velocidade é muito maior, por conta do ambiente, do tipo de alimentação, ausência de sol, de ar puro. É um ambiente medieval. Estamos falando de um sistema estabelecido há mais de 250 anos e que que não mudou quase nada. Hoje é totalmente diferente, a velocidade do mundo é outra. Mas o sistema é o mesmo.
E as pessoas negras ainda são maioria no sistema prisional. A gente precisa falar sobre isso. É uma realidade. Se cadeia foi feita para evitar o crime, não é preciso estudar muito para entender que ela não resolveu o problema.

CORREIO DO POVO: E como repensar este sistema, já que ele causa sofrimento e tem um custo público excessivo?
DOUTOR LOÊDI: Hoje um preso custa mais de quatro salários mínimos para o Estado. Então isso é grave, precisa ser repensado, mas é um tema que precisa de maturidade do gestor. Legisladores maduros, que sejam responsáveis, que tenham coragem, que batam no peito e digam “nós vamos mudar esse sistema, esse código”. Mas até agora não apareceu ninguém para enfrentar essa parada.

CORREIO DO POVO: O seu escritório agora passa a ter uma representatividade, uma atuação maior na região. Quais são as demandas que você vê, como oportunidades para atuar na Cantu?
DOUTOR LOÊDI: Veja, em todos os rincões nós temos problemas criminais. E quando a gente fala em problemas criminais, isso abrange, não só aquele que tentou matar alguém. Tudo hoje é considerado crime. A linha divisória é muito tênue. Temos crimes na administração pública. Nós temos crimes ambientais. Então todas as relações interpessoais podem gerar demandas jurídicas. Por exemplo, alguém xinga alguém nas redes sociais. As pessoas perderam um pouco o senso do limite. Eu xingo, me protejo atrás da tela e acho que vou sair impune.

CORREIO DO POVO: Me fala um pouco mais sobre isso. A gente percebe ainda que a internet é uma terra de ninguém. Porque por exemplo, a lei da segurança da informação, a LGPD passou a ser inclusive muito penosa para o empresário. Mas nas redes sociais temos a impressão que a lei não chegou…
DOUTOR LOÊDI: Na verdade assim, existe uma legislação. Só que essa legislação, como toda a legislação planetária, vai envelhecendo. E nós estamos falando de um mecanismo que é absurdamente dinâmico que é o ambiente virtual. Cada dia surge uma tecnologia nova. Então ela está anos luz à frente do que a legislação consegue prever. Ainda assim, existe lei. Hoje, por exemplo, eu consigo rastrear um IP para saber qual foi a fonte que propagou essa primeira ofensa. Assim dá para vasculhar e encontrar quem foi e buscar a punição da pessoa.
E esse é um problema social sério. Existe um número muito grande de jovens e adolescentes se suicidando ou tentando a eliminação da vida por conta do cyberbullying. Os pais muitas vezes acabam se descuidando disso, deixam de perceber o quanto a pessoa, a criança ou o adolescente está sofrendo por conta do cyberbullying. E tentar criar essa rede de proteção é muito complexo. Mas já existem mecanismos jurídicos. E a justiça não pode ser rápida, ela tem que demorar, se ela for muito rápida ela vira vingança.