Como traumas da nossa infância afetam nossa vida adulta?
Psicóloga Nezia dos Santos discorreu sobre os problemas que nem sabemos da existência mas que podem influenciar nossa tomada de decisões e modo de agir
Poucos de nós passamos a infância sem nos machucar, seja de forma física ou emocional. Se olhar para trás, provavelmente irá se lembrar de uma situação, e descobrirá que existem feridas que precisam ser curadas.
Quando criança, vivemos de maneira autêntica, nos expressamos sem medo de julgamentos. Até o momento em que escutamos ou vemos algo que nos impacta de forma traumática, e nos marca de uma maneira profunda.
Mas isso pode afetar nossa personalidade quando adultos?
Nezia dos Santos, psicóloga em Cantagalo, afirma que traumas não afetam nossa personalidade, mas sim nossas características emocionais. “Uma mãe que cuida de uma criança e recebe um não, se ela tem problemas com rejeição, logo vai pensar, fiz alguma coisa de errado, não sou boa o suficiente, por isso fui rejeitado. A criança que está vendo essa situação vai absorver a mesma ideia e refleti-la, pensando: quando recebo um não, é porque eu não sou bom o suficiente ou porque eu não fiz alguma coisa direito. Ela não consegue fazer essa individualização.”
Isso acontece porque a formação emocional de uma criança não acompanha o desenvolvimento biológico. Ela vai crescer muito rapidamente, mas completamente imatura.
O que podemos fazer para tratar esses possíveis traumas psicológicos que afetam nossa vida, mesmo sendo do passado?
Segundo Nezia, a solução não envolve nada de místico, nem ritual algum. O tratamento estaria em entender como isso foi causado no passado, e quais as consequências que você sente sobre isso hoje em dia. “Em vez de se cobrar, de se recriminar ou querer sempre culpar o outro, esse adulto precisa aprender e aceitar o que aconteceu com ele”.
Mas a psicóloga alerta que “não envolve nada sobre perdoar o outro, liberar isso ou fazer aquilo. É sobre ensinar essa pessoa através do método terapêutico, que é cientificamente comprovado, a parar de repetir o mesmo erro. Parar de reviver o fato desagradável”. Para a profissional, esta é uma questão de ressignificar ao paciente, uma emoção ou situação, que no passado foi encarado de uma forma traumática.
Traumas, na maior parte dos casos, são assuntos delicados de se debater, por qual motivo uma pessoa deve trazer essas situações problemáticas de volta a nossa vida?
Para facilitar o entendimento, Nezia faz uma alusão: “traumas são como feridas, ficam ali adormecidas. Se elas não forem limpas e devidamente cuidadas, elas nunca vão cicatrizar. Se você não aplicar o remédio curativo, que simbolicamente é o processo terapêutico, você vai poder conviver com uma ferida? Pode, mas ela pode infeccionar, piorar, se alastrar para outro lugar e por conta da dor você pode se tornar uma pessoa ranzinza”. E como um ferimento, se o trauma não for tratado, podem haver consequências nos relacionamentos e amizades. Toda a forma de interação social é afetada pela sua construção emocional.
“Quando permitimos nos cuidar, temos experiências novas, não apenas sobrevivemos, a gente vive”, finaliza a psicóloga.